segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Índio quer apito!




Meu pai caiu no banheiro. Ficou 16h tentando sair de lá  e não conseguia. Sua débil voz não foi capaz de se fazer ouvir nos vários pedidos de socorro. No chão frio e escorregadio, viu a tarde ir embora e a noite chegar. Com ela, a escuridão, a fome e a sede, as câimbras e a certeza de ter chegado ao fim...
Não percebeu quando deixou de ser ouvido. É verdade que na feira domingueira, era quase sempre esquecido pelo feirante, que movia-se de um lado para o outro atendendo as donas de casa. Achava que era cavalheirismo... Demorou a perceber que a voz não tinha mais a intensidade de antes, sendo ouvido apenas quando diminuía o tagarelar das freguesas. Clamou por socorro, por várias horas. A vizinha mais próxima, cerca de oito metros, não o ouviu. Os músculos que tantas vezes carregaram sacas de café, massa de barro... Agora, não conseguiam ajudá-lo a firmar-se para sair daquele minúsculo cômodo escuro e frio. É bem verdade, que a vizinha do outro lado da parede, ouviu a tosse intermitente. Imaginou uma gripe, não uma clausura úmida causada pelo acidente vespertino. Intimamente, ela admirava a desenvoltura que o vizinho boêmio apresentava. 83 anos! Até o início do ano ainda fazia apresentações de dança cigana. Morava sozinho por opção e porque não gostava de onde a filha morava. E, para ele, isto doía mais que a dor nas costas que agora sentia. A dor de saber que tinha que aceitar que havia perdido sua independência. Se estivesse na casa dela, estaria naquela cama, que não era a sua, mas era quente! Viu a claridade entrar pela janela estreita e mais uma vez, reuniu forças e pediu socorro... Foi encontrado às 8h da manhã! Depois de uma espera longa, nas intermináveis filas do hospital, ele foi atendido. 
Rita, 73 anos, também caiu ao levantar da cama para atender o telefone. Dez minutos depois, estavam, ao lado dela, sua vizinha, o serviço de saúde de atendimento de emergência e a polícia. Isto porque ela acionou o alarme que ela trazia consigo, um pingente em um colar. Rita adquiriu este sistema (alarmknop) por conta própria. Mas alguns conhecidos, sem condições, foram subsidiados pelo plano de saúde. Este alarme, a certeza do pronto atendimento e o serviço de atendimento domiciliar permitem a Rita, e a muitos outros idosos ou doentes, usufruirem de uma vida independente, confortável e segura em suas próprias casa.  
De acordo com pesquisas realizadas pelo SUS, Sistema Único de Saúde, um terço dos atendimentos de lesões traumáticas nos hospitais da rede vem de pacientes com idade superior a 65 anos. Destas lesões, 75% acontecem dentro de casa, principalmente no trajeto quarto-banheiro, durante a noite (46%), a partir de situações que poderiam ser evitadas. A queda é a sexta causa de óbitos em pacientes idosos, sendo o quadril e o punho as áreas mais comprometidas. 
Meu pai saiu sem nenhuma fratura, mas a lesão maior ficou na memória, ficou na certeza de que a descida da montanha estava  sendo íngreme. Com dores e escoriações pelo corpo, ele, agora, repousa na cama quente e confortável da casa do neto,  assistido por eles (neto e neta). Carinhosos e atentos, eles não desconfiam  o terror que o assombra, mesmo dormindo, quando lembra das horas de pânico pelas quais passou.
Ele não teve a sorte de nascer na Holanda como a Rita. Neste país aplica-se, na saúde, cerca de 12% do PIB, enquanto no Brasil é aplicado 8%. Poucos são os brasileiros que têm um plano de saúde, os preços são exorbitantes. E, mesmo quem os têm, não contam com um atendimento domiciliar. No máximo uma ambulância para transportá-los. 
Em tais circunstâncias, só resta avisar ao meu pai que, mesmo contra sua vontade, ele terá que mudar-se para minha casa e, quem sabe até, usar um apito no pescoço! Em país de índio... índio quer apito! Enquanto isto, nossos políticos...
 

Um especial e caloroso obrigada aos meus filhos e amigos que cuidaram e ainda cuidam do meu querido pai...

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

As raízes podem ser...


Entre um passeio e outro, esta semana li uma entrevista da Eliane Brum com a gaúcha Débora Noal, psicóloga, que faz parte da organização Médicos Sem Fronteiras. Conhecer pessoas como Débora, que neste momento, deve estar prestando atendimento em algum lugar perdido desta imensa civilização, nos dá uma alegria enorme, mas também, saber que ainda não alcançamos este desprendimento, esta coragem, esta leveza, nos deixam um tanto  constrangidos, um tanto dawn...
 Há muito, digo a mim mesma que vou fazer um trabalho voluntário, mas ano após ano,  sempre encontro uma outra coisa com que me ocupar. Aí aparece uma jovem como esta, e nos esfrega na cara o quanto estamos sendo omissos. Não que ela faça isto premeditadamente, é porque ela é o que é. Mas como ser humano, fraco que sou, encontro alento em um livro. Desses que você compra no aeroporto, no último minuto. Eu, por exemplo, escolhi pelo número de páginas -507 páginas. Duraria, pelo menos, uns três dias. Mas, voltando ao alento encontrado. Estas são as palavras da autora, Mônica de Castro, segundo ela psicografadas do espírito Leonel (Você o conhece? Nem eu!) : “...todos fazemos o que é certo na vida, embora o certo e o errado variem de acordo com a maturidade e o conhecimento de cada um. Quem aprende mais, sabe mais. Conseqüentemente, está em condições de tomar atitudes mais amadurecidas e equilibradas. Quem pouco ou nada aprendeu não pode ir além dos limites do que sabe.” Portanto, vou aceitando minhas limitações e fazendo o que posso, com a certeza de que ainda estou em evolução. Que estou certa.
Mas  a essência da Débora me capturou. A forma como ela define vida, família, trabalho, bens...  Entretanto, foi  o título, Minhas raízes são aéreas, é que não me saiu da cabeça. Raízes aéreas... Fiquei imaginando, que seriam raízes voltadas para o infinito, raízes soltas, livres, raízes que a nada se prendem... Apoderei-me da idéia.Também sou uma pessoa  com raízes aéreas... Uma mistura de céu/infinitude e ar/vento/liberdade.
 Pesquisei. Descobri, para minha decepção de sonhadora criativa, que raízes aéreas também matam. Dentro da Botânica, elas se subdividem em raízes: estranguladora, aderente, respiratória, suporte e sugadora...  Caí do cavalo. Sou raiz, mas não quero ser aérea. Sou subterrânea. Sou aquela que vai simplesmente ramificando-se durante a vida, e quem sabe levando um pouco de seiva por aí...  Então volta-me o pensamento: "...Quem aprende mais, sabe mais. Conseqüentemente, está em condições de tomar atitudes mais amadurecidas ...”
                                      
                                      O chá
                    O chá, servido na varanda,              
                        Tem perfume e sabor de flores...
                        O cachorro que ladra ao longe,
                        Os papagaios que voltam para os ninhos ao cair da tarde,
                        Os pingos de chuva,
                        Que teimam em cair no jardim de petúnias e amores perfeito...
                        No silêncio barulhento de tardes como esta,
                        É quase possível escutar os gorjeios
                        Dos miúdos filhotes no ninho...
                        Ninhos que teimam em equilibrarem-se
Nos leves galhos de boldo, romã
E, até mesmo, no de capim santo...
O chá, servido na varanda,
Tem sabor e perfume de flores...
Na pequena fumaça que da chícara se esvai...
As lembranças de velhos e queridos amores!...

  


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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Reencontro


Posted by PicasaEstou mais uma vez, nos Países Baixos. Desta vez para um reencontro com o meu companheiro de jornada. Assim como muitos casais, andávamos meio distraídos com   os afazeres do dia a dia, com os pequenos grandes problemas de todos e de ninguém tão importante ... Com isto, fomos nos distanciando e deixando de cultivar o nosso bem querer mais precioso: a nossa relação afetiva.
Com longas caminhadas, algumas paradinhas em cafés e pubs e uma infinita vontade de reconquista, descobrimo-nos mais uma vez. Decidimos validar nossa relação, confirmando-a como importante para cada um de nós. Kanitz, coloca que precisamos sempre ser validados pelos outros. É verdade.
 E aqui, compartilho com vocês uma dessas caminhadas, pelos jardins do Museu Castelo Sypesteyn. Um local cheio de história, localizado em Nieuw Loosdrecht. Com uma variedade de árvores, algumas raras, outras  nem tanto, labirintos e pequenos canais. Está ainda mais charmoso,  com a exposição de esculturas, do artista plástico russo, Alexander Taratynov. Suas esculturas apresentam um misto de monumentalismo autoritário com uma busca pelas possibilidades de expressão.
Emblemáticas são as esculturas do cavalo,” Campeão ”, e  o Beijo” de Gustav Klimt.
Outro achado interessante, são os dez portões que foram encontrados nas terras  do castelo,  restaurados e colocados nos jardins. Sypesteyn é um desses lugares que nos convida a soltar a imaginação... Não espere um grande castelo, ele é pequeno, é simples, é caseiro. Mas nós o validamos pelo que ele é... Um lugar que tem história!

                         Sabor de Frutas

      Pitangas maduras,
      Pêssegos macios,
      Jabuticabas que estalam,
      Sabores que espalham...

             Olhos azuis,

             Deus grego em forma de homem,
             Lábios de veludo,
             Que o meu corpo consome.
                                   24/03/99