quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Árvores e Primas

Ao contrário do grande José Saramago, sempre tive aquela curiosidade, não mórbida, mas vívida, pelos ramos e galhos da chamada árvore genealógica. Ela valida a história da nossa existência. E somos assim, estamos sempre a procura de sermos validados.
As árvores, da botânica, sempre me chamaram à  atenção. Tenho ainda a intenção de fazer uma exposição de fotos de árvores, mas isto não vem ao caso, no momento. Elas, as árvores,  sempre me transmitem segurança. Quer pelas sua raízes, pelos seus troncos ou, talvez, pela capacidade, de muitas delas, espalharem seus galhos.
Sem explicação! Apenas o sentimento...
Gosto de árvores!
Daí por que não gostar da árvore genealógica?!
Mesmo não fazendo parte da Botânica,  a inspiração que ela me proporciona é a mesma: segurança! Está relacionada com origem, família, raízes... E como você espalha seus galhos...
Quando olhava meu avô paterno me perguntava de onde vinha aqueles olhos castanhos tão claros. Os cabelos quase loiros completavam a perfeição do rosto tranquilo. De hábitos muito simples e sorriso discreto, poderia ele ter sua origem em uma família espanhola ou portuguesa. Mas ele partiu sem que eu pudesse esmiuçar seus segredos de origem... Perdi a oportunidade de colher as pérolas das suas histórias, dos seus causos, das suas lembranças...
Ao contrário do meu avô materno, que era, sem dúvida alguma, descendente de um cafuzo. Contava ele, que o meu tataravô negro, havia capturado uma índia e tomado- a como sua companheira. Fincados em um sítio, nas bandas do Triângulo Mineiro,  criaram seus filhos e viram crescer seus descendentes. Em contrapartida, meu avô casou-se, com certeza, com uma moça de linhagem européia. Ela não era loira, mas tinha cabelos, olhos e tez tão claros que seu nome era Ana Clara.
Com esta miscigenação tão evidente, sempre foi intrigante observar as diferentes fisionomias dos meus tios e tias. Parte deles, com traços explicitamente  europeus ou indígenas; enquanto outros não negavam a descendência negra; quer pela cor da pele ou pelos cabelos quase pixains... Alguns de estatura baixa, outros medianos e  havia aqueles bastante altos. E cá estou eu, fruto de toda esta mistura!
Saramago em sua crônica Retratos de Antepassados, afirmava não dar importância a genealogia , defendia que "...cada um de nós é, acima de tudo, filho das suas obras, daquilo que vai fazendo durante o tempo que cá anda."
É uma grande verdade! Por sinal, uma grande responsabilidade. Mas, devo admitir, que mesmo assim, acredito ainda na tal da árvore. Se ela não me dá traços de caráter dos antepassados, sei que me presenteia com os traços físicos que carrego comigo. E isto me fascina!
Pensar que estes dedos, que dedilham o teclado, poderiam ser confundidos com os de uma avó distante,   que ensaiou escrever poemas com uma caneta de pena... Meus cabelos rebeldes e ondulados são frutos de um casamento  que aconteceu há dois séculos atrás...
Curiosos galhos... Fascinantes ramos...
E foi na tentativa de preservar e aproximar estes ramos que promovi um "picnic" com primas paternas. 
E foi gratificante! Descobri que não somos mais ramos. Nos fortalecemos. Fomos galhos... mas o tempo e as experiências vividas fizeram de nós, em sua grande maioria, troncos...
Estamos espalhando nossos pequenos galhos...
Temos amparando muitos em nossas sombras e nossos frutos têm alimentado tantos outros. Ou bem ou mal, estamos tentando cumprir nossa missão. Procurando acertar nas nossas responsabilidades, mas sem perder o prazer de dançar ao sabor dos ventos que sopram em nossas vidas.
Neste encontro, compartilhamos sabores doces, amargos, salgados e, alguns, até azedos... Trocamos confidências, dúvidas e certezas, mas principalmente, trocamos energia! 
Ficou a certeza da alegria do encontro e a esperança de um novo, com cestas e toalhas xadrezes!
Como o ano está findando, por pura imaginação dos homens, desejo a todas as árvores, galhos e ramos muita saúde, com fertilizantes de amor sincero, de respeito, de carinho e perdão. E lembrem-se das palavras de Saramago:"...cada um de nós é, acima de tudo, filho das suas obras, daquilo que vai fazendo durante o tempo que cá anda."

Imagem: Google.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Outono lá...Pitangas aqui!


Sempre escrevi pelo prazer de fazê-lo.  Sou to tipo que gosta de expressar idéias, sentimentos, acontecimentos...  Necessidade de compartilhar... 
Criada, quase sempre sozinha, os livros e os cadernos sempre foram meus amigos. Escrevia como forma de dialogar comigo. E foi assim durante muitos anos. 
Demorei a mostrar meus rabiscos para os mais próximos. Gostaram ou fizeram que...
Depois veio a era digital... E aqui estou eu tentando aprender...
Espalhando meus rabiscos em um blog... Pessoas desconhecidas lêem meus textos e, alguns, me cobram assiduidade. 
Me veio a ansiedade de cumprir expectativas...
Você já experimentou escrever? Não estou mencionando escrever para alguém. Mas você já experimentou escrever para você, sobre você ou mesmo imaginar um certo você... 
Tenho certeza que alguns já fizeram isto há muito tempo, em um diário... Coisa do passado!...
Já há alguns dias, sento e tento escrever, mas não sou disciplinada o suficiente para isto... 
Vou lavar a louça ou simplesmente colher as pitangas vermelhinhas que teimam em cair do pé.
Queria que elas resistissem até o Natal, assim nem precisaria enfeitar nenhuma árvore para o Papai Noel.
Ela estava muito mais bonita! Agora não mais, colhi quase todas...
Se Drumond já afirmava que escrever é um ato triste e de luta, imagine para mim!
Quando não sinto aquela cócega cerebral, fico vasculhando pelas palavras e elas terminam me decepcionando... E novamente me vêem as palavras de Drumond:
"...O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. 
Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina."
Por isto não me cobrem assiduidade.
Quero e gosto de escrever... Gosto das palavras, gosto de brincar com elas...
Elas são como folhas de plátano no outono.
Mudam de cor! São camaleoas!
Antes verde, depois vermelhas enferrujadas e em seguida amarelas...
E todas elas, misturadas, multicolores, vão desprendendo-se das árvores e sendo levadas pelo vento... Quando cansam de voar, pousam suavemente e carpetam o caminho até desintegrarem-se... 
Palavras que enfeitam e adubam idéias, pensamentos, até mesmo atitudes...
Sinto inveja daqueles que, disciplinadamente, sabem combiná-las criando verdadeiras tapeçarias literárias; alguns textos, parecem um pomar no paraíso, são saborosos...
Clarice Lispector disse uma vez que "Expressar-me por meio de palavras é um desafio. Mas não correspondo à altura do desafio. Saem pobres palavras."
Vou seguindo adiante, acreditando que  minhas pobres palavras, uma vez ou outra, quando elas invadem meus pensamentos e criam verdadeiros redemoinhos para saírem,  possam encontrar terra fecunda em alguns leitores.
Sem pretensões de mudanças, mas apenas de um desabrochar...
E, se você decidir experimentar este desafio, volte a escrever seu diário. 
Você verá que tem uma história e tanto para contar...


Foto: Lúcia Boonstra

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Sharing



Em um post anterior afirmei que gosto desta palavra: Sharing... O som é sonoro e o significado mais interessante ainda... Compartilhar... Com você, vou partilhar.  E, é com muito prazer, que compartilho este  delicioso e perfumado texto escrito por Ana Martins, que gentilmente permitiu que eu o trouxesse até vocês.

                                                 Almas Perfumadas

Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver.
Tem gente que tem cheiro de colo de Deus. De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul. Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis. Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo. Sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso. Ao lado delas, pode ser abril, mas parece manhã de Natal do tempo que a gente acordava e encontrava o presente do Papai Noel.
Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza. Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar de alegria.  Recebendo um buquê de carinhos. Abraçando um filhote de urso panda. Tocando com os olhos os olhos da paz. Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.
Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa. Do brinquedo que a gente não largava. Do acalanto que o silêncio canta. De passeio no jardim. Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro  e que a atração que realmente nos move não passa só pelo nosso corpo. Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar. Ao lado delas, a gente lembra que no instante que rimos Deus está dançando conosco de rostinho colado. E a gente ri grande que nem menino arteiro.
Costumo dizer que algumas almas são perfumadas, porque acredito que os sentimentos também têm cheiro e tocam todas as coisas com os seus dedos de energia. Meu avô era alguém assim. Ele perfumou muitas vidas com sua luz e suas cores. A minha, foi uma delas. E o perfume era tão gostoso, tão branco, tão delicado, que ele mudou de frasco, mas ele continua vivo no coração de tudo o que ele amou. E tudo o que eu amar vai encontrar, de alguma forma, os vestígios desse perfume de Deus.

                                                                                                     Ana Martins,
                                                                            http://pequenasepifaniaseoutrosdevaneios.blogspot.nl/                                        

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Vento que venta...


Chove lá fora... Galhos e folhas outonais dançam, ao sabor dos ventos, e se espalham pelos espaços abertos. As árvores fazem coreografias furiosas e perdem partes de si... E o vento continua a rugir...
Cumpro minha tarefa diária e me sinto convidada a aninhar no sofá e navegar nas ondas do " face" ...
Os primeiros minutos são preenchidos com mensagens positivistas de um bom dia. E aí me lembro do amigo que disse estar cansado das Pollyannas que pululam nas redes sociais. 
Aqui e ali outras se fotografam em pose de topmodels, outras nem tanto, para apenas dar um boa noite... A expectativa destas fotos são claras... " quero ser curtida, ser comentada". 
Me sinto constrangida! Lembro com carinho destas amigas e não consigo associá-las com estas fotos...
Prossigo na navegação, mais por um sentimento gostoso de ociosidade do que por uma motivação real...
Agora os pingos de chuva já escorrem pela janela e a grande árvore em frente a nossa janela, nos ameaça, a todo momento, com seus movimentos impetuosos.
Me aninho um pouco mais e vou discorrendo os dedos pela tela... Os muros da privacidade ruíram, desabaram... 
Tomo conhecimento do fim do relacionamento de uma amiga, da morte de um parente próximo de outra e, com prazer, descubro que aquele outro, finalmente está realizando o sonho da viagem fantástica! 
Porém, para meu desprazer, duas pessoas diferentes compartilharam um vídeo, onde uma criança, digo bebê ainda de fraldas, dança um hit popular, fazendo requebros e poses sensuais. Parece ser uma reunião familiar. E a criança, incentivada pelos gritos e aplausos, continua com aqueles movimentos, eu diria, grotescos! Entretanto, minha surpresa é ainda maior, quando percebo o número,  cerca de duas mil pessoas, que já curtiram o vídeo e outras milhares que o compartilharam. E o que dizer sobre os comentários postados! Nenhuma indignação! Apenas incentivos, escarnecimentos... Meus sentimentos são solitários! Olho o vento lá fora e sinto a indignação crescer dentro de mim... 
Não estou mais interessada nos "facebookianos". 
A família desta criança, talvez pela pouca educação, não percebe o absurdo da situação, mas os meus amigos que me perdoem, esperava outra reação deles!
Este tipo de vídeo expõe a criança a pedófilos e outros tantos tipos de caráter duvidoso, cria uma situação de constrangimento futuro e, além de tudo, reforça um comportamento extremamente negativo para uma criança em formação.
Me vem a mente   o texto do Marcelo Penteado, onde ele escreve: " Ou não percebi que a vida trocou suas roupas ou eu ando meio offlline demais.
Meus valores entraram em coma e os tempos se desenham confusos. Costumava acreditar que compartilhar significava doar...".
As redes sociais têm acentuado a necessidade narcisista que temos de nos mostrarmos ou mostrar algo, que nos permita nos vermos refletidos nas águas dos tantos rios e lagos da  vida social... Perdemos o controle das regras de convívio social, pelo simples fato de não termos as pessoas ao nosso redor. Sozinhos fazemos fotos, que não teríamos coragem de fazer se estivéssemos em público. Mas postamos... E esperamos ansiosos as "curtidas e compartilhamentos" ... Esparramamos nossos desapontamentos, frustrações, alegrias e, até, declarações de amor nas redes, mas somos incapazes, muitas vezes, de olhar nos olhos dos nossos amigos, filhos e companheiros e expressar estas verdades... 
Devo confessar que fui seduzida pelas novas tecnologias, redes sociais e  outras tantas invencionices atuais. Embora nem saiba como muitas delas funcionam... Mas, também, tenho procurado me policiar quanto ao uso delas. 
Acredito no valor das invenções, mas acredito ainda mais, nos valores sociais... Nas relações humanas que nascem e crescem nos encontros, onde exercitamos a convivência baseada no respeito, na solidariedade, na responsabilidade e no amor para com o próximo.
Sendo assim, dos males o menor, que fiquem  as Pollyannas do Facebook  e, talvez , quando nos cansarmos deste mundo virtual,  desta felicidade fugaz que precisa ser provada com vários cliques, encontremos tempo para dar um telefonema para aquele amigo que há muito não vemos ou, quem sabe até, fazer uma visita. Ao invés de convidá-lo para jogar Candy Crush Saga, convidá-lo para um cinema,  para um café ou até mesmo um joguinho de cartas, mas que seja um sentado em frente ao outro...
Aqui, a ventania tomou novos rumos... e eu também.

  Foto: Google.                                    


domingo, 20 de outubro de 2013

FolhasOutono e o seu Telhado



Esta é a visão dos telhados que tenho da janela da minha sala. O meu telhado é reto, é sólido, é claro, é iluminado pela luz diurna que adentra  pelas grandes janelas, tão comuns na Holanda. Ele me dá estabilidade, calma e a certeza de que as linhas horizontais também tem a sua beleza... Reflete o meu momento!
Nossos telhados nem sempre são nossos de verdade... Mas enquanto estamos debaixo deles por um determinado tempo, nos apropriamos deles. Estes, as vezes, são claros, escuros, coloridos, altos, baixos, de madeira, de laje, telhas das mais variadas; são a nossa cobertura! Será que os escolhemos ou fomos escolhidos por eles?! Você gosta do seu telhado ou também precisa muda- lo como no poema  "Telha de Vidro" da Rachel de Queiróz? _ Mencionado no post anterior: Está faltando luz em sua vida?
Minha proposta para estas duas semanas é que você envie fotos dos telhados da sua cidade ou de outras que você gostou ou gostaria de conhecer. Com cerca de 4 linhas, explique a razão da sua foto.
Vamos deixar que as Folhas de Outono enfeitem seus telhados. Vamos publica-las aqui.
Estou aguardando...
folhasoutono5@gmail.com

domingo, 13 de outubro de 2013

Está faltando luz em sua vida?



Lembro- me do nosso barraquinho de apenas um cômodo, onde a porta ainda não havia sido fixada, portanto era apenas encostada no vão do portal. O telhado demorou a ficar pronto... Faltava dinheiro para as telhas! A única parte coberta era onde ficava a cama. Aliás, uma única cama. Do lado oposto, o pequeno fogareiro e um caixote de ripa com latinhas de marmelada, que nos servia de pratos, uma latinha de massa de tomate, que acomodava os talheres e duas pequenas panelas. Era 1961, tínhamos chegado há pouco de Minas Gerais para Brasília. Assim como tantos outros...
Mas o que me encantava eram as estrelas... Sim, as estrelas! Eu as via da cama. Deitada eu colhia as estrelas e caminhava com a lua no seu andar vagaroso... Até que o sono me levava para lugares distantes.
Muitas vezes acordávamos com o rosto molhado pelo sereno, mas eu, na inocência dos meus quatro anos, achava tudo meio mágico.
Não sei definir se daí nasceu este gosto peculiar pelos telhados...
Sei apenas que gosto de ver as inclinações, os recortes, as linhas retas, às vezes, curvas e as cores dos telhados, que compõe a arquitetura de uma construção. 
Nas minhas andanças, venho colecionando memórias de belos telhados.  Como os telhados de Paris, que já inspiraram filmes, músicas, pinturas e infinitas fotografias. As cores cinzas azuladas ou o marron avermelhado, com suas linhas horizontais, perpendiculares, côncavas, parecem dançar aos nossos olhos. Há até curiosos telhados que abrigam apiários, como no Grand Palais. 
E como descrever a sensação de beleza que nos invade, quando a luz solar ilumina   os telhados avermelhados de Praga?  
Londres, que frequentemente está envolta nas míticas brumas de Avalon, apresenta seus telhados escuros, centenários e, também, pitorescos. Como os chamados roof- tops (telhados-top) . São telhados que foram transformados em points de encontro, como bares chiquérrimos ou jardins de nos deixar boquiabertos, como o Jardim Suspenso de Sir Richard Branson, o Radio Rooftop Bar ou o Coq d'Argent. 
Os telhados de monumentos da idade Média, do Renascimento e das épocas clássicas e barroca de Salamanca, nos enfeitiça, nos envolve de maneira mágica. Acho até, que é possível, imaginar Dom Quixote saltitando, em seu cavalo, por aqueles telhados...
Mas, agora estou aqui, em Zaandam.  De volta e meia, pegando o trem, vou zanzando pelas pequenas cidades Holandesas. Meus olhos sempre se voltam para o céu, buscando os telhados das casinhas estreitas, com desenhos, brasões ou datas incrustados nos seus tijolinhos. Entretanto, não consigo ver seus telhados... Estes ficam escondidos atrás das altas fachadas tão interessantes quanto os seus nomes. Trapgevel, klokgevel, Tuitgevels, Zadelgevel, Halsgevel, ou seja: Fachada escada, fachada relógio, fachada bica, fachada sela, fachada pescoço...
Sei que ainda há muitos telhados para eu conhecer, mas enquanto isto não acontece fico  imaginando meu meio telhado de infância, que me permitia ver as estrelas e deixava o sol inundar de luz e calor nosso quartinho-casa. Eu me deleitava em brincar com os raios de sol, que desenhava figuras mil no chão de terra  batida. 
Me vem a memória a história de Rachel de Queiroz que foi morar com os tios e, estes, a acomodaram em um quartinho escuro do sótão... Mas ela deu um jeitinho... Comprou uma telha de vidro,  e aí.. "...Que linda camarinha! Era tão feia!
_Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão...
cinzenta,
fria, 
sem um luar, sem um clarão...
Por que você não experimenta?
A moça foi tão bem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!"
...Atrevidamente, acrescentei estas reticências, espero que a Rachel não se revire em seu túmulo...
Foto: Lúcia Boonstra



terça-feira, 1 de outubro de 2013

ComUnidade, vou seguindo ...

                                                                   
Aos domingos, pela manhã, sempre vou a igreja e assisto a missa. Embora compreenda uma palavra aqui e outra lá, sinto-me confortável ali. O prédio de tijolinhos aparente, de linhas retas e que foge dos padrões das igrejas europeias, tem o pé direito alto, vitrais, do artista holândes Marius de Leeuw, que convidam os raios do sol a aquecer suas cores suaves. Ele está embrenhado entre os plátanos e ciprestes, que encontram com as  águas límpidas  do lago que é abastecido pelo canal vizinho. Uma  verdadeira joia escondida!
Os sons guturais  da língua, que ressoam nos quatro cantos, as vozes celestiais do coral, acompanhadas pelas notas musicais do velho piano, os silêncios intercalados ... Tudo isto me conforta! 
O fato de não compreender a língua, me deixa livre para ficar comigo, para cismar meus pensamentos, meus sentimentos, minhas gratidões, minhas aflições.
Aproveito esta liberdade para especular, também, a decoração " clean", que aqui e ali é agraciada com as imagens  santas. A iluminação  moderna, simples e eficiente no teto branco reto, cumplicia com os vitrais, que ocupam os dois cantos dos fundos da igreja,  projetando as imagens vanguardistas dos santos.
O conjunto "per si" identifica esta comunidade. Uma comunidade comprometida com os ensinamentos bíblicos e não com as regras ou  as exceções da Santa Madre Igreja. Ali, mais uma vez, me sinto confortável.
Eles me acolheram e, com eles, venho aprendendo a enfrentar meus medos, minhas indecisões e  as intempérias de um recomeçar em uma nova terra.
Conhecer os rituais me faz sentir em casa. É uma gota de orvalho diante das chamas dos estranhamentos. Neste espaço, aprendo e exercito a minha ligação com o Universo, com a Energia, com Deus. Todos nós necessitamos de um lugar, de um tempo para organizar nossas energias, realinhar a nossa essência divina e estreitar nossos laços com o Criador.
Talvez, para meus amigos agnósticos seja incompreensível. Porém, aos domingos, naquele espaço, embalada pelos cânticos sagrados, praticando e exercitando nossos rituais, sinto que criamos uma conexão com o Começo  e o Fim, somos verdadeiros imãs, atraindo luzes e energia puras. Isto me conforta!
Esta comunidade, toda ela quase octagenária e que vem se diluindo; com sua postura de nobreza, dignidade e reverência, persiste nas suas reuniões. E com  ações singelas e significativas luta para que suas crenças, seus rituais, suas preces e suas amizades permaneçam. E com um pouco de sorte, multipliquem... 
Me uni a eles. E, aos domingos, pela manhã, procuro me sentar quase sempre nos últimos bancos,  e, imbuída de um sentimento de devoção, procuro aquietar meu corpo, limpar minha mente, tranquilizar minhas emoções e reverenciando a Deus, me entrego ao  ritual da prece:

" Creio em um mundo para todos;
sem limitações, nem restrições,
sem fracos e sem fortes...
Em um mundo de amor
em um mundo para amar.
Creio em um mundo para todos;
sem chutes, nem agressões
onde ninguém sofre humilhações...
Em um mundo de amor
em um mundo para amar. ..."
                     A Oração  do Credo (Tradução parcial da oração do dia 13/10/2013)
                          é substituída por uma oração que é criada  a cada celebração,
                          permanecendo apenas a frase inicial: Eu creio..

Foto:  Lúcia  Boonstra Firmino



domingo, 22 de setembro de 2013

Uma colecionadora


Viajar sempre foi, e ainda é, um dos meus maiores prazeres. Viajar é colecionar coisas, momentos , relações, sabores, memórias... Portanto sou colecionadora. Gosto de abraçar o novo, gosto de sentir- me estrangeira, para assim ficar mais tempo comigo. Gosto de ficar sentada e observar transeuntes. Me encanta cores, formas, histórias e ações em movimento. 
Gosto do poema de Santo Agostinho que nos questiona: 
"Não vês que somos viajantes? E tu me perguntas: Que é viajar
Eu te respondo com uma palavra: é avançar!". 
Sendo assim, vamos avançar, nada de ficar parados no caminho! 
Mas enquanto vocês não arrumam as malas, viajem neste delicioso texto de Marcelo Penteado, que gentilmente permitiu-me trazê-lo para mais esta coleção.

Uma vez fui viajar e não voltei.


Uma vez fui viajar e não voltei.
Não por rebeldia ou por ter decidido ficar; simplesmente mudei.
Cruzei fronteiras que eu nunca imaginaria cruzar. Nem no mapa, nem na vida. Fui tão longe que olhar para trás não era confortante, era motivador.
Conheci o que posso chamar de professores e acessei conhecimentos que nenhum livro poderia me ensinar. Não por serem secretos, mas por serem vivos.
Acrescentei ao dicionário da minha vida novos significados para educação, medo e respeito.
Reaprendi o valor de alguns gestos. Como quando criança, a espontaneidade de sorrisos e olhares faz valer a comunicação mais universal que há – a linguagem da alma.
Fui acolhido por pessoas, famílias, estranhos, bancos e praças. Entre chãos e humanos, ambos podem ser igualmente frios ou restauradores.
Conheci ruas, estações, aeroportos e me orgulho de ter dificuldade em lembrar seus nomes. Minha memória compartilha do meu desejo de querer refrescar-se com novos e velhos ares.
Fiz amigos de verdade. Amigos de estrada não sucumbem ao espaço e nem ao tempo. Amigos de estrada cruzam distâncias; confrontam os anos. São amizades que transpassam verões e invernos com a certeza de novos encontros.
Vivi além da minha imaginação. Contrariei expectativas e acumulei riquezas imateriais. Permiti ao meu corpo e à minha mente experimentar outros estados de vivência e consciência.
Redescobri o que me fascina. Senti calores no peito e dei espaço para meu coração acelerar mais do que uma rotina qualquer permitiria.
E quer saber?
Conheci outras versões da saudade. Como nós, ela pode ser dura. Mas juro que tem suas fraquezas. Aliás, ela pode ser linda.
Com ela, reavaliei meus abraços, dei mais respeito à algumas palavras e me apaixonei ainda mais por meus amigos e minha família.
E ainda tenho muito que aprender.
Na verdade, tais experiências apenas me dirigem para uma certeza – que ainda tenho muito lugar para conhecer, pessoas a cruzar e conhecimento para experimentar.
Uma fez fui viajar…
e foi a partir deste momento que entendi que qualquer viagem é uma ida sem volta.
                                                                           http://sigoescrevendo.com/

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Se Virando em Busca da Felicidade

 
                                              O livro é uma das possibilidades de felicidade que dispomos.
                                                                                            Jorge Luís Borges                         
                                               
Estou feliz ou venho me sentindo feliz? Não sei responder. Sei que estou aproveitando, antes que esta porta se feche. Estou saboreando esta  paz de espírito que ora inunda minha alma. E me pergunto há,
realmente, uma diferença entre " estar feliz " e "ser feliz"?
Decidi ler um pouco mais sobre o assunto.  Coincidência ou não, quando termino de escrever o texto vejo uma manchete em um dos sites : 15 coisas que Você Precisa Saber Sobre a Felicidade. Com certeza todos nós  estamos sempre correndo atrás desta moeda mágica: Felicidade!
Segundo Bárbara  Axt, a "Felicidade  é uma cenoura pendurada numa vara de pescar amarrada no nosso corpo". (Nada como ser comparada a um coelho em corrida! Eca!). Estudar, conseguir um novo emprego, uma viagem, casar, separar, ter filhos... Todas estas "conquistas" têm como objetivo alcançar a cenoura, a moeda mágica.
Corremos  em busca destas sensações prazerosas. Neste caso, a Felicidade, esta estreitamente ligada aos nossos sentidos, daí ser transitória. Isto explicaria o " estar feliz". Conclusão plausível para aqueles que acreditam que Ela é feita de momentos...
Para o psicólogo Robert Wright“As leis que governam a felicidade não foram desenhadas para nosso bem-estar psicológico, mas para aumentar as chances de sobrevivência dos nossos genes a longo prazo”. Cruzes! Muito analítico, muito frio... 
As receitas para alcançá-la são as mais diversas possíveis, mas é possível encontrar pontos em comum em muitas delas. E quem sabe é por aí que devo seguir... Recorro a poesia. Talvez, lá, encontre as respostas que me guiarão para permanecer neste estado de felicidade. É com Fernando Pessoa, que alinho meu pensamento, quando ele afirma que " Ser feliz é encontrar força no perdão, esperanças nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros. É agradecer a Deus a cada minuto pelo milagre da vida."
E, como sou uma admiradora do Pessoa, vou seguindo adiante, procurando outros que comprovem esta idéia, porque nela há mais profundidade e maiores chances de alcançar o " ser feliz". Porém, sei também, que é um aprendizado, temos que ser alunos persistentes nestes exercícios. Acha que é fácil perdoar? E vencer nossos medos? Amar então nem se fale! E quantos de nós realmente consideramos a vida como um milagre? Que dirá agradecer por ele!
São nestas tarefas que venho trabalhando... Sou iniciante, sendo assim, comecei pelos mais fáceis. Outro dia, acordei meio  para baixo. Fui ao mercado e comprei flores frescas. Coloquei-as sobre a mesa em um belo jarro. Pronto! Elas me lembravam a beleza da vida... Mudei de humor. Em um outro, após uma discussão com o marido, percebi que estava de "cara amarrada" e ressentida. Respirei umas cinco vezes, profundamente, e disse a mim mesma, que não havia sentido cultivar aquele sentimento negativo. Fui desanuviando...
Sem contar que decidi não ter medo das novidades, elas são bem vindas. Iniciei a fazer pequenas coisas;  como aprender a andar de bicicleta, cantar no coral. Detalhe, em uma língua que ainda estou aprendendo _ holandês! Desta forma, vou seguindo como estudante aplicada, aprendendo esta difícil arte de Amar. Me amar e amar os outros. Acredito  que exercitando este Amor Pleno, alcançarei este estado de Felicidade. Cabe a nós sermos bons aprendizes. Praticando sempre. É necessário termos a coragem de vencer nossos medos, exercer a caridade, o perdão, consigo e com os outros, e segurar com Amor nossa moeda mágica. Acredito que esta é a chave para Ela permanecer conosco.

 Foto: Lucia Boonstra Firmino



quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Facebookianos


Tenho uma página no facebook. E quem não tem? Poucos... Em  tempos de " net ", é necessário estar conectado. Meu desconhecimento sobre as novas tecnologias é profundo. Entretanto, aqui e ali, vou procurando alfabetizar-me. Nesta busca por conhecimentos, tenho observado como as redes sociais nos permitem aproximar, conhecer e até, mesmo, inferir sobre os "facebookianos", mesmo quando eles
economizam no uso de suas palavras.
A escolha das publicações e a frequência das mesmas vão, aos pouco, delineando o perfil destes amigos, que muitas vezes, estão ou são tão distantes de nós. Há o fanático pelo seu time, aquele que muito aprecia os animais, alguns até específicos, outro que se autoajuda com mensagens positivistas ou motivacionais ou aquele que se autoafirma através das postagens das diferentes fotos de si. Há, também, o eterno evangelizador e, me perdoem, o chato com suas correntes. Enfim, uma variedade saltitante que brincam em nossas páginas.
Porém, há, uma boa parcela, que usam as redes com parcimônia, com leveza,  com elegância e responsabilidade; com consciência informativa. Estão conectados, todavia não são ávidos.
E, neste mundo de comunicações instantâneas, me surpreendo, vez por outra, com alguém postando uma foto ou uma mensagem de saudade por um ente querido que já partiu. Nestes momentos, sinto uma vontade de romper a barreira da tela e abraçá-lo(a). Sinto  estas postagens como um apelo solitário de quem deseja partilhar uma dor, uma melancolia, uma saudade imensa e que não encontra espaço dentro de si ou ao seu redor para expressá-la. Jogá- las na rede, equivale a gritar para o mundo "olha! Estou aqui. Estou sentindo o vazio imenso que você deixou! Preciso de um conforto".
Já com uma certa idade, não posso fazer uso deste apelo. Seriam muitas as postagens... Tantas pessoas queridas já se foram. A maioria delas, nem tiveram a delicadeza de dizer adeus. Simplesmente foram...
Deixaram lembranças, ensinamentos, miudezas que continuo guardando. Uma destas pessoas é a tia Godóia. Só eu a chamava assim, quando estávamos em nossas conversinhas íntimas. Acredito que todos nós tivemos ou temos um membro da família que é assim: amigo, companheiro, que faz papel de mãe ou pai, mesmo não sendo. Tia Glória era esta pessoa. Mulher destemida, que vivia com garra, sem medo, desafiando as regras sociais, desbravando seu próprio caminho. Era alegre, divertida, sempre pronta para uma festa. Nelas contava casos, que só com ela aconteciam.
 Como a vez em que retornando de Brasília para Uberaba, passou por um assalto no ônibus. Quando percebeu o que estava ocorrendo, deslizou a pequena bolsa de mão para os pés e, em seguida, foi empurrando-a para debaixo do seu assento. Quando o larápio pediu-lhe para passar a grana, ela, com olhos consternados e voz caprichada no acento mineirês, retrucou-lhe: _ Moço, tô vindo de Brasília, fui lá pra uma consulta. Dinheiro eu não tenho, tanto é que nem comi hoje, mas se o senhor quisé meus brinquinhos de ouro tá aqui, eles não são de verdade não, mas deve de valê arguma coisa, né?! E foi tratando de tirar os brincos. O malandro diante da cena, simplesmente seguiu em frente em busca de algum valor dos outros passageiros. Quando estava de saída, jogou R$10,00. "_ Toma aí, tia, para a senhora não ficar com fome!"  
Tia Godóia, roubou o ladrão e, também, nos roubou. Como tantos outros ainda hão de roubar- nos de suas deliciosas presenças... Mas eles merecem perdão! 
Afinal, "ladrão, que rouba de ladrão... merece cem anos de perdão."

domingo, 18 de agosto de 2013

Adentrando no Trem Noturno para Lisboa

Considerem apenas como um exercício, uma brincadeira, uma apropriação gerada pela admiração da obra de  Pascal Mercier.

           "... Porque de uma vida apenas, uma única, dispõe o homem.
           E se para ti esta já quase se esgotou, nela não soubeste ter por ti respeito,
           tendo agido como se a tua felicidade fosse a dos outros... Aqueles, porém,
           que não atendem com atenção os impulsos da própria alma são
           necessariamente infelizes." Pensamentos, Marco Aurélio.

Carregava dentro de si nem mais nem menos que o mundo inteiro, na verdade, vários mundos. Mas todos eles incompletos. Esta era a idéia que fazia de si. Embora soubesse que era um enorme exagero... Mas como dominar este pensamento que estava sempre inundando-a? Parecia mais um espectro do personagem de Mercier.
Enquanto vagava pela rua ladeada de lojas, pressentia as pessoas indo e vindo de um lado e outro. Sentia odores; eram vagos, distantes. Ouvia rumores indistintos. E continuava indo em frente...
 Surpreendeu-se com a imagem daquela mulher vestida com um chamisier preto com estampa miúda de flores brancas, mangas 3/4 , os sapatos bege, simples, que acomodavam pés pequenos e pernas longas tornedas. Nas mãos, uma pequena bolsa bordô de alças curtas, entrelaçada nos dedos longos. Os cabelos curtos castanhos, anelavam-se em volta do rosto abatido. Um rosto sem cor, sem vida, sem história. Apenas os olhos escuros chamavam a atenção: carregavam interrogações e um sentimento de "estarem perdidos".
 Quando tocou os cabelos, percebeu-se na imagem refletida da vitrine. Era ela então? Era assim que estava? Era assim que os outros a percebiam? Quando foi que deixou de se reconhecer?
 No fundo da loja vizualizou o adesivo:  "Sorria, você está sendo filmada". Sorriu para si. Depois, sorriu de si. E, de repente, teve uma sensação inquietante, indefinida. Sorriu mais uma vez, agora como que experimentando este movimento facial. Aos 37 anos, estava, finalmente, experimentando este formigamento libertador. Foi vendo aquela mulher da vitrine transfigurar-se... O rosto parecia iluminar-se, a boca, antes retesada, flexionou-se e esboçava um sorriso, eu diria, quase aberto. Mas eram os olhos. Os olhos mais  uma vez mostravam, como janelas abertas para o sol, que encontrara um caminho. 37 anos! Estava prestes a tomar as rédeas da própria vida. Abandonaria o confortável casulo, que era sua cidade. Conhecia cada rua. Cada casa. Cada saliência dos becos. E , além de tudo, conhecia todas as pessoas daquele lugar. Conhecia tão bem cada um deles! Cada um de seus problemas, de suas alegrias e tristezas. Partilhavam tudo. Ajudava a todos. Aconselhava, olhava as crianças, podava os jardins, respondia as cartas, fazia as compras no mercado, lecionava e ouvia a todos. Era a " amiga de todos".
 Nascera ali, fora criada na mesma casa onde morava. Nunca teve coragem de sair . Nem mesmo quando se apaixonou. Ele foi para a cidade grande. Ela ficou. O que seria dela em uma cidade grande!? Ficaria perdida!
 Aos poucos, a viam como um utensílio que pertencia a cidade de Campos Altos.
Agora, chegou o momento de libertar-se. Libertar-se desta limitação auto- imposta. 
 Olhando-se, não soube precisar o quê despertou este sentimento tão repentino. Repentino? Não, sempre pressentiu uma vida que queria chegar a superfície, sem conseguir alcançá-la. Sempre abafou-a com as atividades da comunidade. Agora era definitivo. Não sufocaria esta outra vida. Mercie, novamente... Sairia do seu refúgio. Sem mensagem, sem pertences, sem despedidas, sem perdas, sem nada. 
Em direção a estação, levava consigo apenas a leveza de ser livre e o livro Trem Noturno para Lisboa.




terça-feira, 6 de agosto de 2013

Retalhos Coloridos



" Somos todos retalhos de uma textura tão disforme e diversa que cada pedaço, a cada momento, faz o seu jogo. E existem tantas diferenças entre nós e nós próprios como nós e os outros."
                                                           Michel MontaigneEnsaios, Segundo Volume,I.

 E foi com estas palavras ecoando em minha mente que assisti, pela primeira vez, a Parada do  Orgulho Gay, em Amsterdam. Uma festa bonita e colorida. O dia de verão quente, propiciou a descontração e a celebração foi mais calorosa. A diversidade de pessoas vindas das mais diferentes regiões da Holanda e de outros países, fizeram com que as ruas fossem confundidas com verdadeiras "babéis". O vinho e a cerveja jorraram com vontade, mas o respeito imperou. Os canais foram tomados, pelos barcos que chegavam espalhando música, alegria, mensagens anti- discriminação, informações sobre AIDS e atendimentos diversos. A vergonha que ao longo da história controlava e oprimia os indivíduos LGBT, desapareceu, dando lugar ao orgulho; que neste sentido é a afirmação de cada indivíduo e da comunidade como um todo. 
 Deixou de ser simplesmente a Parada Gay; tornou-se a Parada do Cidadão, um desfile da sociedade que busca seus direitos de ser feliz, aceitando e assistindo as diferenças.
A imagem do céu salpicado de papéis coloridos traduziam o momento: Descontração, beleza e diversidade... Com esta imagem, as palavras de Michel Montaigne, traduz o que somos: Retalhos de uma textura... E, só temos sentido porque fazemos parte de um todo desta textura! Cabe a cada um aceitar ou não, mas a textura não vai mudar. As diferenças a fazem mais colorida!

Amsterdam 2013


Fotos: Lúcia Boonstra

quinta-feira, 11 de julho de 2013

É preciso esvaziar as gavetas




É preciso se perdoar.
Somos falíveis. E é normal reconhecer nossos erros.
O que não podemos é cultivar a culpa, a mágoa ou a tristeza pelos erros cometidos.
A mágoa consome nossa energia e nos impede de enxergar novas oportunidades.
Nosso cérebro não reconhece passado ou futuro. Ele apenas reconhece o que sentimos agora.
Portanto reviver mágoas, tristezas ou qualquer sentimento negativo, apenas nos faz reviver
a dor e nos traz a perda de nossas energias; abrindo portas para as doenças oportunistas.
Relembrar mágoas é dar poder ao outro, é dar poder a algo em detrimento da nossa pessoa.
Não significa que devemos passar por cima das nossas tristezas, mas precisamos aprender que
há um tempo para cultivá-las e, depois, esquece-las. Perdoando-nos. Libertando-nos e libertando aos outros. É preciso seguir em paz.
Algumas atitudes podem ser tomadas para ajudar: Desabafar, ouvir outras pessoas, conversar francamente com o causador do ressentimento, reconhecer que estes sentimentos negativos são prejudiciais a saúde... E muitas outras.
É preciso esvaziar as gavetas escuras, limpando-as e abrindo espaço para sentimentos de luz, de gratidão, de amor e de recomeço. Vamos nos dar a chance de sermos felizes!



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Momentos

                                                                                   Foto: Onofra Lúcia. Amsterdam, 2013

Não escrevo como antes!
Me falta a rima, a inspiração.
O canto da alma, que traz a melodia das palavras.
Estou secando...

O outono chegou no meu corpo e na minha alma.
As folhas verdes são poucas.
Minhas relações tornaram-se vermelhas amarronzadas.
E, muitas delas, bem amareladas.
Outras tantas permanecem murchas ao meu redor.
Nasci para estar só e viver momentos de companhia.
Gosto de estar comigo. Sinto falta de mim...


 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Encantos e desencantos...

Me encanta viver.
Da minha janela, vejo pássaros que voam como se dançassem um ballet.
A coreografia é tão precisa e melodiosa, que simplesmente me encanta...
Da minha janela, vejo, nas manhãs geladas, mães e pais levando seus filhos,
a escola, em pequenos trenós.O prazer das crianças, me encanta...
Me encanta ainda, ver  da minha janela, a água mansamente correr no canal, 
enquanto diferentes patos e pássaros brincam em conjunto.
Estou envelhecendo... e isto, também, me encanta...
A fase ruidosa está passando...
"Fechei os olhos e pedi um favor ao vento:
_Leve tudo que for desnecessário.
Ando cansada de bagagens pesadas. Daqui para frente
apenas o que couber no bolso e no coração"
Queria ter escrito isto, mas foi a saudosa Cora Coralina que o fez.
Me encanta o poema...
Me encanta o vento; que aqui, carrega minhas tristezas e preocupações...
Me encanta a comunidade que me acolhe e não me exclui da comunhão...
Nos encantaram os fogos que iluminaram e festejaram a entrada do ano.
Imaginei e pedi boas novas, para mim e para toda a família.
E,da minha janela, na manhã após o ano novo, vi  meu vizinho limpando
a sujeira dos fogos da madrugada. Aos poucos, outros foram chegando e ajudando...
Me encantaram!
Pequenos detalhes, pequenos pensamentos, pequenos comportamentos
traduzem meu encanto de estar aqui e meu desencanto em partir...