quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Facebookianos


Tenho uma página no facebook. E quem não tem? Poucos... Em  tempos de " net ", é necessário estar conectado. Meu desconhecimento sobre as novas tecnologias é profundo. Entretanto, aqui e ali, vou procurando alfabetizar-me. Nesta busca por conhecimentos, tenho observado como as redes sociais nos permitem aproximar, conhecer e até, mesmo, inferir sobre os "facebookianos", mesmo quando eles
economizam no uso de suas palavras.
A escolha das publicações e a frequência das mesmas vão, aos pouco, delineando o perfil destes amigos, que muitas vezes, estão ou são tão distantes de nós. Há o fanático pelo seu time, aquele que muito aprecia os animais, alguns até específicos, outro que se autoajuda com mensagens positivistas ou motivacionais ou aquele que se autoafirma através das postagens das diferentes fotos de si. Há, também, o eterno evangelizador e, me perdoem, o chato com suas correntes. Enfim, uma variedade saltitante que brincam em nossas páginas.
Porém, há, uma boa parcela, que usam as redes com parcimônia, com leveza,  com elegância e responsabilidade; com consciência informativa. Estão conectados, todavia não são ávidos.
E, neste mundo de comunicações instantâneas, me surpreendo, vez por outra, com alguém postando uma foto ou uma mensagem de saudade por um ente querido que já partiu. Nestes momentos, sinto uma vontade de romper a barreira da tela e abraçá-lo(a). Sinto  estas postagens como um apelo solitário de quem deseja partilhar uma dor, uma melancolia, uma saudade imensa e que não encontra espaço dentro de si ou ao seu redor para expressá-la. Jogá- las na rede, equivale a gritar para o mundo "olha! Estou aqui. Estou sentindo o vazio imenso que você deixou! Preciso de um conforto".
Já com uma certa idade, não posso fazer uso deste apelo. Seriam muitas as postagens... Tantas pessoas queridas já se foram. A maioria delas, nem tiveram a delicadeza de dizer adeus. Simplesmente foram...
Deixaram lembranças, ensinamentos, miudezas que continuo guardando. Uma destas pessoas é a tia Godóia. Só eu a chamava assim, quando estávamos em nossas conversinhas íntimas. Acredito que todos nós tivemos ou temos um membro da família que é assim: amigo, companheiro, que faz papel de mãe ou pai, mesmo não sendo. Tia Glória era esta pessoa. Mulher destemida, que vivia com garra, sem medo, desafiando as regras sociais, desbravando seu próprio caminho. Era alegre, divertida, sempre pronta para uma festa. Nelas contava casos, que só com ela aconteciam.
 Como a vez em que retornando de Brasília para Uberaba, passou por um assalto no ônibus. Quando percebeu o que estava ocorrendo, deslizou a pequena bolsa de mão para os pés e, em seguida, foi empurrando-a para debaixo do seu assento. Quando o larápio pediu-lhe para passar a grana, ela, com olhos consternados e voz caprichada no acento mineirês, retrucou-lhe: _ Moço, tô vindo de Brasília, fui lá pra uma consulta. Dinheiro eu não tenho, tanto é que nem comi hoje, mas se o senhor quisé meus brinquinhos de ouro tá aqui, eles não são de verdade não, mas deve de valê arguma coisa, né?! E foi tratando de tirar os brincos. O malandro diante da cena, simplesmente seguiu em frente em busca de algum valor dos outros passageiros. Quando estava de saída, jogou R$10,00. "_ Toma aí, tia, para a senhora não ficar com fome!"  
Tia Godóia, roubou o ladrão e, também, nos roubou. Como tantos outros ainda hão de roubar- nos de suas deliciosas presenças... Mas eles merecem perdão! 
Afinal, "ladrão, que rouba de ladrão... merece cem anos de perdão."

domingo, 18 de agosto de 2013

Adentrando no Trem Noturno para Lisboa

Considerem apenas como um exercício, uma brincadeira, uma apropriação gerada pela admiração da obra de  Pascal Mercier.

           "... Porque de uma vida apenas, uma única, dispõe o homem.
           E se para ti esta já quase se esgotou, nela não soubeste ter por ti respeito,
           tendo agido como se a tua felicidade fosse a dos outros... Aqueles, porém,
           que não atendem com atenção os impulsos da própria alma são
           necessariamente infelizes." Pensamentos, Marco Aurélio.

Carregava dentro de si nem mais nem menos que o mundo inteiro, na verdade, vários mundos. Mas todos eles incompletos. Esta era a idéia que fazia de si. Embora soubesse que era um enorme exagero... Mas como dominar este pensamento que estava sempre inundando-a? Parecia mais um espectro do personagem de Mercier.
Enquanto vagava pela rua ladeada de lojas, pressentia as pessoas indo e vindo de um lado e outro. Sentia odores; eram vagos, distantes. Ouvia rumores indistintos. E continuava indo em frente...
 Surpreendeu-se com a imagem daquela mulher vestida com um chamisier preto com estampa miúda de flores brancas, mangas 3/4 , os sapatos bege, simples, que acomodavam pés pequenos e pernas longas tornedas. Nas mãos, uma pequena bolsa bordô de alças curtas, entrelaçada nos dedos longos. Os cabelos curtos castanhos, anelavam-se em volta do rosto abatido. Um rosto sem cor, sem vida, sem história. Apenas os olhos escuros chamavam a atenção: carregavam interrogações e um sentimento de "estarem perdidos".
 Quando tocou os cabelos, percebeu-se na imagem refletida da vitrine. Era ela então? Era assim que estava? Era assim que os outros a percebiam? Quando foi que deixou de se reconhecer?
 No fundo da loja vizualizou o adesivo:  "Sorria, você está sendo filmada". Sorriu para si. Depois, sorriu de si. E, de repente, teve uma sensação inquietante, indefinida. Sorriu mais uma vez, agora como que experimentando este movimento facial. Aos 37 anos, estava, finalmente, experimentando este formigamento libertador. Foi vendo aquela mulher da vitrine transfigurar-se... O rosto parecia iluminar-se, a boca, antes retesada, flexionou-se e esboçava um sorriso, eu diria, quase aberto. Mas eram os olhos. Os olhos mais  uma vez mostravam, como janelas abertas para o sol, que encontrara um caminho. 37 anos! Estava prestes a tomar as rédeas da própria vida. Abandonaria o confortável casulo, que era sua cidade. Conhecia cada rua. Cada casa. Cada saliência dos becos. E , além de tudo, conhecia todas as pessoas daquele lugar. Conhecia tão bem cada um deles! Cada um de seus problemas, de suas alegrias e tristezas. Partilhavam tudo. Ajudava a todos. Aconselhava, olhava as crianças, podava os jardins, respondia as cartas, fazia as compras no mercado, lecionava e ouvia a todos. Era a " amiga de todos".
 Nascera ali, fora criada na mesma casa onde morava. Nunca teve coragem de sair . Nem mesmo quando se apaixonou. Ele foi para a cidade grande. Ela ficou. O que seria dela em uma cidade grande!? Ficaria perdida!
 Aos poucos, a viam como um utensílio que pertencia a cidade de Campos Altos.
Agora, chegou o momento de libertar-se. Libertar-se desta limitação auto- imposta. 
 Olhando-se, não soube precisar o quê despertou este sentimento tão repentino. Repentino? Não, sempre pressentiu uma vida que queria chegar a superfície, sem conseguir alcançá-la. Sempre abafou-a com as atividades da comunidade. Agora era definitivo. Não sufocaria esta outra vida. Mercie, novamente... Sairia do seu refúgio. Sem mensagem, sem pertences, sem despedidas, sem perdas, sem nada. 
Em direção a estação, levava consigo apenas a leveza de ser livre e o livro Trem Noturno para Lisboa.




terça-feira, 6 de agosto de 2013

Retalhos Coloridos



" Somos todos retalhos de uma textura tão disforme e diversa que cada pedaço, a cada momento, faz o seu jogo. E existem tantas diferenças entre nós e nós próprios como nós e os outros."
                                                           Michel MontaigneEnsaios, Segundo Volume,I.

 E foi com estas palavras ecoando em minha mente que assisti, pela primeira vez, a Parada do  Orgulho Gay, em Amsterdam. Uma festa bonita e colorida. O dia de verão quente, propiciou a descontração e a celebração foi mais calorosa. A diversidade de pessoas vindas das mais diferentes regiões da Holanda e de outros países, fizeram com que as ruas fossem confundidas com verdadeiras "babéis". O vinho e a cerveja jorraram com vontade, mas o respeito imperou. Os canais foram tomados, pelos barcos que chegavam espalhando música, alegria, mensagens anti- discriminação, informações sobre AIDS e atendimentos diversos. A vergonha que ao longo da história controlava e oprimia os indivíduos LGBT, desapareceu, dando lugar ao orgulho; que neste sentido é a afirmação de cada indivíduo e da comunidade como um todo. 
 Deixou de ser simplesmente a Parada Gay; tornou-se a Parada do Cidadão, um desfile da sociedade que busca seus direitos de ser feliz, aceitando e assistindo as diferenças.
A imagem do céu salpicado de papéis coloridos traduziam o momento: Descontração, beleza e diversidade... Com esta imagem, as palavras de Michel Montaigne, traduz o que somos: Retalhos de uma textura... E, só temos sentido porque fazemos parte de um todo desta textura! Cabe a cada um aceitar ou não, mas a textura não vai mudar. As diferenças a fazem mais colorida!

Amsterdam 2013


Fotos: Lúcia Boonstra