quarta-feira, 23 de abril de 2014

Ruas por onde vagueio


Ontem atendi o convite do sol, que resolveu visitar- nos.
Seus raios aqueciam o ar frio que teimava em correr livremente.
Aos poucos, foram iluminando o dia nublado.
Com o coração um tanto pesado pelas incertezas de um recomeço _ Estou sempre recomeçando por aqui_ fui caminhando para onde meu nariz apontava.
Sempre é interessante vagar por aqui.
Para quem sempre viveu em pleno Planalto Central, onde o cerrado muda do verde para o marrom  e do marrom para o verde, sem grandes surpresas climáticas, as variações de cores, de temperatura e até de humor por aqui, são acontecimentos que merecem ser desfrutados.
Portanto me dou ao luxo de " de vez em sempre" vagabundear pela cidade.
Morando em um bairro simples, é comum ouvir diferentes sons ecoando aqui e acola.
São os diferentes falares que aqui residem .
E até mesmo a língua Neerlandesa soa ou muito carregada ou muito suave.
A variedade se estende às indumentárias coloridas.
Comum entre os holandeses, mais sisudas e conservadoras, quase sempre pretas, dos imigrantes marroquinos e outras mais clássicas e formais entre os grisalhos,  que são a maioria.
Assim vou conhecendo cores e combinações improváveis...
Como uma saia verde berrante usada com uma legging oncinha ou uma djallaba preta com  um  lenço de seda colorido.
Tudo é normal! Ninguém olha. A diversidade é tanta que nada mais é estranho...
Com esta primavera exuberante, é difícil ficar indiferente aos pequenos jardins coloridos.
Às vezes com frondosas pequenas árvores circundadas com jacintos azuis perfumados e alegres multicoloridas tulipas.
Aos poucos o recomeço vai ficando mais leve, o baú que carrego no peito transforma-se.
Sei que posso carregar esta mala de rodinhas.
Vou desfilando com ela pelas " straten"...
Ruas temperadas com nomes cheios de possibilidades...
Descubro que moro na Rua da Agrimonia  _ para minha surpresa, uma flor amarela, cor que muito aprecio_ vizinha da Rua Flor da Páscoa _ juro que existe! De um lilás maravilhoso!
Meu nariz vai apontando em direção a Rua Flor de Cisne _ de flor não tem nada!
São bolas verdes claras tão leves que flutuam na água, daí o nome.
Vejo que trago semelhanças com a  Flor de Cisne.
Ando flutuando por esta correnteza chamada Vida.
Sinto o cheiro de uma carne bem temperada, que deve estar sendo refogada neste momento.
O aroma nem de longe se parece com o nosso brasileiro, mas é tão sedutor quanto...
Vou em busca dele, afinal  sigo o meu nariz!
Vou entrando na Rua Flor Selvagem, ainda sem referência para mim.
Aqui, descubro várias antenas parabólicas voltadas na mesma direção.
Buscam o contato com a terra distante: Marrocos, Líbia, Tunísia, Síria...
Buscam não perder o vínculo com a cultura, com a pátria...
Cultivam a saudade em ondas magnéticas e telepáticas.
Varandas abarrotadas de roupas no varal, denunciam famílias numerosas.
Usam a varanda como um espaço de despejo...
Contrário dos nativos, que fazem das suas varandas uma extensão da casa.
Decorando-as com mini jardins suspensos.
Cadeiras confortáveis e almofadas floridas ficam viradas para o sol.
Chego a Rua Flor de Pêssego e sem ter nenhum para colher_ mesmo se tivesse não poderia fazê-lo, o respeito à propriedade é levado a sério, mesmo estando plantado em área pública_ decido não mais seguir meu nariz, mas sim o meu estômago, que clama por uma refeição quente.
Decidimos cortar caminho pela Rua Salsa de Vaca _ desconhecida para mim_ e irmos preparar uma boa pasta temperada com tomates secos e manjericão.
Caminho com uma certa pressa...
Percebi que havia esquecido em alguma destas " straten" a minha mala de rodinhas...
Deve ter sido por culpa da alegria que encontrei pelo caminho...
Ou será que ela transformou-se numa diminuta "necessaire"?!
Não importa! O estomago graceja e eu aperto o passo...

Foto: Lucia Boonstra

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Transparência



Sábado preguiçoso.
Olho pela imensa janela.
Ruas vazias. Silêncio.
O sol brilha lá fora.
Um convite à vida, mas minha inércia é maior...
Sei que o frio ainda permanece trespassando as ruas, canais e vielas...
E é dele que fujo.
Aquecida em meu refúgio,
vou deixando as horas passarem olhando através da janela...
Admirando os poucos ciclistas e corredores amadores que transitam espaçadamente.
Admito minha covardia!
Não participo da vida, sou expectadora...
Invejo a comédia, mas vivo dramatizando...
Admiro as pinturas. Não desenho e nem pinto. Escrevo?!
Sou menos da metade do que queria e do que desejei ser...
Sou a outra... Aquela que sonha viver!
Em um inexplicável ímpeto: troco de roupa e saio para correr.
Adeus!

Foto: Onofra Lúcia

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Retratos de uma família


Não sei se são as condições climáticas, o aconchego da língua e dos costumes ou, simplesmente, o doce prazer de me sentir em casa com os meus familiares,  que me fez abandonar-me  nesta preguiça morosa. Deixei de escrever...
Estava matando saudades de relações antigas, de carinhos represados, de conversas travadas...
Descobrindo sentimentos escritos e livros esquecidos...
Nas minhas buscas encontrei uma agenda de 2009 e antes de jogá- la fora decidi folhear...
Velhas anotações do dia a dia, telefones de pessoas que passaram por minha vida, compromissos cumpridos, outros adiados indefinidamente... Poemetos iniciados... O lote comprado em Anápolis, no valor de R$ xyz e mais outros tantos R$ xyz de despesas com aterramento, prestações da faculdade do filho e outras tantas miudezas gastas ... E, ainda, um desabafo, que inicia assim...

"Quero chorar as pitangas! Quero colo de pai, uma vez que mãe não tenho mais...
Mas de que adianta?! Ele jamais soube me confortar...
Tive sonhos de família. De família reunida...
De família que ri, chora, se conforta e se felicita juntos.
Não consegui construir esta família.
Fui incapaz de manter a união...
Primeiro o divórcio, depois, uma segunda união, que, na verdade, acabou por afastar meus filhos.
Não soube lidar com as necessidades deles e as minhas...
Com as inseguranças deles e as minhas...
Com as carências deles e as minhas...
E nesta difícil tarefa de buscar a minha felicidade e querer a deles, acabei atropelando-os.
Reclamam da minha insatisfação para com eles; na minha leitura, não é insatisfação.
É um desejo de que eles aproveitem melhor o potencial que eles têm.
Há mágoas das minhas alfinetadas, não as considero assim...
Mas alertas de que eles podem fazer mudanças para melhor...
Acredito nisto, porque sei da capacidade de cada um.
Pontos de vista diferentes...
Comunicação danificada...
Família separada...
Uma perda irreparável.
Uma vida vazia, inútil...
Sem construção positiva."

Hoje, vejo que o tempo é o grande remédio.
Estamos todos bem.
Vamos ainda ter algumas situações, talvez até difíceis, mas consegui vê- los adultos e amadurecidos...
Agora, com suas respectivas famílias, são eles que vão iniciar suas escolhas e buscas  em relação aos filhos. Cabe a eles escolherem as estradas que vão trilhar e quais os métodos usar...
Tomara, eu tenha, apesar de tudo, contribuído com coisas positivas, das quais eles possam se orgulhar.
Porque eu sempre tive muito orgulho de cada um deles.
Esperava, apenas, que eles encontrassem seus próprios caminhos...
O meu grande erro foi não saber que cada um tem o seu ritmo, o seu tempo, as suas escolhas...
O texto de Bruna Ferreira, Primavera,  externa de forma simples e muito bonita esta minha compreensão do momento:
Agora entendo melhor ao que Rilke se referia quando dizia "serenidade".
As tempestades passaram, como sempre têm passado desde que o mundo é mundo, e hoje veio o sol iluminar a beleza que só foi possível graças à chuva das semanas passadas."Aprendo isto diariamente, aprendo em meio as dores às quais sou grato:paciência é tudo!" 
Obrigada, meu Deus, pela minha família!
Um beijo no céu, mãe querida!

Foto: Lucia Boonstra