sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Quem sou eu?


             

Ao longo da nossa vida, tantos papéis são assumidos e, para cada um deles, vamos desenhando uma máscara que, aos poucos, achamos natural acomodá-la em nossa face. Seja a máscara da criança mimosa ou levada, da adolescente inquieta ou medrosa, da mulher incompleta ou exuberante, da profissional eficiente ou predadora... são tantas as personas! Elas vão se sobrepondo umas às outras... somando resquícios das anteriores...
Assim vamos seguindo...
Construindo, revitalizando, desconstruindo e mais uma vez reconstruindo nossas histórias. Sem muito tempo para o refletir, mas apenas seguindo em frente...
Agora, aos sessenta anos, descubro estar me tornado invisível… as personas, as máscaras, as quais me incorporei, aos poucos se desvanecem… E, um tanto surpresa, me questiono: E agora, quem sou eu?
Uma equilibrista na corda bamba da vida!
Esta esguia equilibrista, que existe dentro de cada uma de nós, tende sempre a buscar a aprovação dos espectadores, buscar o aplauso, a admiração… E, para nós mulheres, é sempre mais difícil.
Por onde andam os olhares que por tantas vezes nos admiraram? Alguns até mesmo chegaram a nos constranger…
Envelhecemos… não existem mais!
Daí a invisibilidade do envelhecimento nos ser tão dolorido!
E quando nos despimos das máscaras, das personas, que ao longo da vida assumimos, descobrimos que deixamos o mais importante para trás: Descobrir quem somos e qual é o nosso verdadeiro propósito de vida!
Com equilíbrio, alternando medo e coragem, com passos mais vagarosos, mas ainda com uma chama no olhar, descubro que meu medo me paralisou e ainda me paralisa, impedindo-me de realizar, de descobrir e de buscar meus propósitos.
Reconheço o meu erro em culpar pessoas ou situações pelas minhas escolhas e ações; mas, principalmente, reconheço que estou aprendendo a ser mais condescendente com as pessoas e comigo mesma. É preciso me perdoar e seguir…
É preciso ser Mário Quintana: Eles passarão, eu passarinho...
Com os cabelos brancos assumidos, com um certo desconforto e medo do envelhecer, me surpreendo com habilidades desconhecidas:  a Arte de Não Fazer Nada e estar sempre ocupada!
As leituras, os filmes, os pequenos "grandes" encontros com desconhecidos, amigos e familiares, as tentativas de aprender a meditar, o olhar contemplativo sobre as diferentes paisagens, o fitness, a yoga, as conversas aqui e ali, a consciência de em cada pensamento, palavra e gesto buscar ser um ser melhor, ser mais grata... Tudo isto preenche meu tempo… Vou descobrindo  o prazer de ser quem sou: uma mulher simples que não desiste de seguir andando pela corda bamba da vida…
Reconhecer que todas as vivências contribuíram para ser o que hoje sou, me reconforta e ao mesmo tempo me desafia a mudanças.
A invisibilidade me permite ser ou descobrir quem de fato sou… Cabe a mim não me tornar invisível quando me olhar no espelho. Me reconhecer exige esforço, determinação e ação.
Você pode ser invisível aos olhos dos outros, mas precisa se reconhecer no espelho da sua alma.
Este sim, é o grande desafio do envelhecer...Não ser invisível para si.

Foto: A.A. Machado


                                                            

terça-feira, 5 de setembro de 2017

O que eu tenho para dar?




Acordo com o barulhinho tímido  da chuva. 
Ela chegou e espantou o nosso sol de verão tão curto e tão esperado. 
É ela, a chuva, que doravante nos fará companhia. Às vezes fina e constante, outras, quando se associa ao vento uivante, se torna poderosa e assustadora... 
Depois de um verão prazeroso, onde pude descobrir um pouquinho  mais desta velha senhora chamada Europa, sinto o recolhimento da chuva agradável. Deixo de lado o refrescante Aperol Spritz e a cerveja gelada e espumante para o aconchego do meu chá quente no meu espaço.
Este recolhimento me traz lembranças... e percebo o quanto certas pequenas gentilezas nos marcam.
Há cerca de 20 anos aluguei a minha casa para uma mulher e seu filho adolescente. Ela era uma mulher encorpada, bonita, elegante,  com um  sorriso franco. Expressava-se com clareza e inteligência. Devo confessar que fiquei um tanto ressabiada com esta nova inquilina. Ela não se encaixava naquela região de pessoas simples... 
Assim que ela mudou-se, perguntou se poderia trocar as fechaduras das portas por umas mais sofisticadas, naturalmente eu não deveria me preocupar com os custos, uma vez que era o desejo dela; foi o que ela me disse. 
Depois de quase dois anos residindo por lá, sem jamais ter feito uma reclamação sequer, algo incomum nos inquilinos, ela avisou-me que estaria de mudança no próximo mês. 
Havia encontrado um Amor. Iriam morar juntos em Brasília. Ele era advogado. 
Dia aprazado para a entrega das chave, lá fui eu um tanto pesarosa por perder tão boa inquilina. Junto com as chaves, entregou-me um lindo buque de flores!
Era o agradecimento por ter residido em minha casa.
Jamais esqueci este gesto... 
Quando a vi saindo no carro com o Amor achei que ela iria para o lugar merecido.
Jamais tornei a vê-la, mas o gesto dela permanece comigo e, sempre que dela me lembro, rogo a Deus que ela sempre encontre flores pelo seu caminho.
Ela ensinou-me...
Hospedei-me por alguns dias na casa de amigos e, quando isto acontece, procuro oferecer um jantar de despedida e uma pequena lembrança para os anfitriões; mas desta vez eles viajaram antes do esperado. Me vi sem saber como retribuir a gentileza da hospedagem calorosa. Comprei docinhos especiais que foram acondicionados numa bela caixa, combinando com um vaso de orquídea. Deixei-os sobre a mesa e fui em busca de novos rumos...
Esta semana, recebo um telefonema para contar-me que a orquídea floriu mais uma vez e que eles , por mais que buscassem, não conseguiam encontrar os deliciosos docinhos . Afinal, onde eu os havia encomendado?!  
Depois daquela adorável inquilina, aluguei a casa para outras duas pessoas, que cheguei a considerar como amigas. Se não próximas, mas amigas.
Após  quase 15 anos residindo por lá, fui informada, por terceiros, que elas haviam mudado e ao invés de flores recebi uma casa depredada...
Depois de um mês, usufruindo a companhia da amiga que veio passar o verão comigo, descubro que uma das minhas orquídeas morreu...
Talvez seja a chuva constante lá fora...
Talvez seja o saudosismo que me persegue...
Talvez seja a idade que nos torna fora de moda...
Mas, talvez o mais certo é, como minha mãe dizia, "Cada um dá o que tem!"
E você, o que tem para dar?





Foto: Lúcia Boonsrtra

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Sob os ares da Itália


   Viajar não é só  decidir o destino, comprar o ticket, agendar o hotel e arrumar as malas... Viajar é adquirir saberes é, principalmente, experimentar sabores... Saborear não só através do paladar, mas é expandir este saborear, aguçando os cinco sentidos.
  Com este propósito acomodei o necessário na pequena mala de mão e com o coração um tanto apertado segui em direção à região da Toscana. Devo confessar que o filme Sob o Céu da Toscana, foi a mola propulsara da escolha do lugar. Além das paisagens magníficas, havia uma certa similaridade de situação e de propósito entre mim e a personagem: Dor, redescobrir e recomeço.
  Minha primeira parada foi em Livorno, cidade do histórico porto dos idos século XVII e XVIII. Cidade pequena, com atrações interessantes, inclusive um belo calçadão à beira mar, mas eu devo dizer que minha impressão é de uma cidade mal aproveitada... Quem sabe voltando... Em seguida, de passagem à Pisa, segui para a região denominada Riviera Ligure. Ali, saborei a brisa salgada do mar, o fresco e adocicado aroma das várias figueiras, senti a ardência do sol na pele, a boca ser refrescada pelos sabores naturais de um delicioso "gelato"; ouvi o murmúrio das árvores nas subidas dos morros e, ainda vi o mar transparente verde-azulado lamber as encostas dos penhascos... Saborei cada minuto!
    Em seguida, explorei uma pequena, mas fascinante parte da Ligure. La Spezia e Porto Vernere. E, novamente o desejo de mais descobertas e o prazer de ser mais uma vez surpreendida me invadiu...
  Em  Florença, quando o sol adentrava em sua carruagem de fogo, para a longa viagem do anoitecer,  eu me sentava em um dos vários cafés espalhados pelas largas pequenas praças, degustava meu colorido e fresco Aperol Spritz e apreciava o tagarelar dos falares da terra que se mesclavam aos estrangeiros.
     Degustava cada segundo... Eram únicos!
 Durante as pausas de caminhada, geralmente no final das tardes, sentia que a languidês do tempo me devorava e eu transitava entre meu passado, meus feitos, meus desfeitos, minhas desistências, sonhos sonhado e momentos do agora; da realização, da reflexão, e dos questionamentos...
    Me surpreendi com quantas coisas havia já feito e, agora, o quanto o simples fato de viajar só, sem ter quem me esperava, havia me assustado. Me senti criança com medo do que estava por vir...
    É bem verdade quando Mia Couto diz que " o medo cria falsas identidades". Com este medo, que muitas vezes me assola, descubro identidades que não são minhas; ou que eu as desconheço...
   Mas aos poucos,  o medo foi cedendo lugar ao prazer da descoberta, ao prazer do experimentar e, então, me reafirmei. Subir e descer aqueles altos morros em Cinqüe Terre, decidir o rumo a tomar no próximo dia, adentrar pelas estreitas vielas, subir as imensas escadarias, tomar o trem na incerteza de estar no destino certo,  decidir ficar ou seguir , tudo no meu tempo, me fez acreditar de que preciso e posso fazer mais...
   É bem verdade que houve momentos de desejo de ter alguém, de compartilhar... Mas os meus livros e a minha vontade de descobrir a próxima esquina, a próxima escada a subir, o próximo monumento a conhecer, afastaram  rapidamente o sentimento de solidão.
   A Itália é linda... Histórica, acolhedora, com uma gastronomia deliciosa e paisagens de perder o fôlego. Porto Vernere, Lucca, La Spezia, Livorno... Cinqüe Terre, Florença?!
    Não há o que falar, há  que se visitar...
   Não comprei a minha Villa Bramasole, não encontrei nenhum Marcelo, não  conheci a cidade de Cortona e nem conheci o parceiro escritor,  mas posso afirmar que voltei me sentindo muito melhor...
    Portanto bela, Itália, me aguarde!
    Desejo que você "me roube do mundo, do tempo e da rotina"...( Mia Couto).



Foto: Lúcia Boonstra.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

O Ninho da dor e a Primavera




Há que se recolher no momento da dor.
E assim fiz.
Perdi meu amigo, companheiro, amante e grande amor da minha vida.
Tenho que seguir em frente. 
Ele partiu... Cumpriu sua missão!
Viveu com dignidade, coragem e, ainda, com sonhos, sua última gota de dor.
Depois de lágrimas, questionamentos, momentos de raiva e de fraqueza, volto a sentir gratidão por tudo que tenho vivido... Pelos amigos e familiares que me estenderam a mão e souberam me aninhar em suas casas e em seus braços; gratidão, pela família que construí e que o acolheu. Gratidão  pela oportunidade de ter alcançado meu sonho de Viver Um Grande Amor....
Momentos de paixão, de cumplicidade, de solidariedade e, até mesmo, de desentendimentos... Mas, somados, fizeram meus anos mais completos.
São estas lembranças e este sol, que finalmente, brilha é que me faz mover novamente. 
Senti esta semana, depois de um longo inverno no meu coração, que a primavera sorrateiramente está buscando se instalar...
Estou abrindo janelas e portas para que o calor do sol e a brisa fresca possam entrar. 
Espalhei flores pela casa...
Os desafios continuam. Viver é ser desafiada a cada momento...
E uma amiga, senhora de 90 anos, que ainda joga tênis, pratica natação e luta tenazmente pelos Direitos Humanos, desafiou-me a escrever um texto em Holandês!
Primeiro o espanto, depois o matutar e finalmente: Tá, vou tentar..!
E, assim, surge o primeiro poemeto em Nederlandse Taal...

          Ik voel jij

Ik zit achter het raam.
Buiten begint  onze boom langzaam blaadjes te krijgen...
Op ons balkon, is de eerste  vogel bezig met zijn nestje..
Ik sluit mijn ogen . De zon schijnt...
Ik voel de warmte...
Ik kan je glimlach zien.
Beneden, in de tuin van onze buren, bloeien tulpen,
sommige hyacinten, dahlias, spaanse margrieten en
andere bloemen in allerlei kleuren...
Hier en daar zie ik boten die door de gracht glijden met de wind mee...
Nogmaals sluit ik mijn ogen...
Je glimlacht en zwaait naar mij...   Ik open mij ogen
De winter is voorbij.
Het voorjaar is aangebroken!
Maar je bent hier niet...

A quem interessar, pode, com ajuda do tradutor, ler o poema. À direita, no blog, tem o READ IT, é só mudar para Holandês... Ainda me deslumbro com a tecnologia!
Coisas da idade!
E, para aqueles que compreendem o holandês, desculpem os erros cometidos... Coisas de principiante!