sexta-feira, 16 de agosto de 2024

A pedra no meio do caminho Literário

 



Quando você não consegue mudar a realidade e você a usa como inspiração. Aconteceu!

Era uma vez uma escritora que vivia em um pequeno apartamento, cercada por pilhas de livros e manuscritos inacabados. Ela se chamava Clarice — não aquela, mas uma Clarice que sonhava em se tornar um grande nome da literatura nacional. E, vejam só, a grande chance finalmente havia chegado! No dia seguinte, ela iria receber o prêmio mais importante da sua carreira em um evento literário que reuniria os maiores nomes do meio. O vestido estava pronto, o discurso ensaiado e a expectativa a mil.

Mas como a vida adora brincar com os nossos sonhos, eis que, na véspera do evento, Clarice começou a sentir uma dorzinha esquisita nas costas. “Deve ser nervosismo”, pensou, tentando afastar a preocupação. Afinal, quem não ficaria com o coração acelerado na véspera de um grande prêmio? 

Só que a dor não quis saber de se acalmar. Pelo contrário, ela foi crescendo, aumentando, até que Clarice se viu retorcida de dor no sofá. A cada pontada, uma frase diferente de seu discurso de agradecimento dançava em sua mente, agora acompanhada de grunhidos e suspiros. No desespero, ela foi ao pronto-socorro, certa de que era o fim de sua grande estreia no mundo literário.

“Você tem uma pedra no rim”, disse o médico, com a calma de quem está acostumado a dar notícias devastadoras. 

Uma pedra. Logo ela, que tanto admirava o poema de Carlos Drummond de Andrade, agora se via diante de sua própria “pedra no meio do caminho”. Mas esta não era uma pedra metafórica, era uma pedra literal, minúscula e impertinente, que parecia querer arruinar o grande dia.

No caminho de Clarice tinha uma pedra. Tinha uma pedra no caminho de Clarice. 

Ela não sabia se ria ou chorava, mas como escritora, sabia que a vida adorava uma ironia. No fundo, aquela pedra não era só um incômodo físico, mas também uma prova viva de que a vida nunca seguia o roteiro que planejamos. Em meio à dor, Clarice se imaginava subindo ao palco, com uma bolsa de água quente escondida sob o vestido, e agradecendo o prêmio com um discurso emocionado que misturava gratidão e morfina.

“Senhoras e senhores, hoje eu não subo ao palco sozinha. Trago comigo uma convidada especial, uma pedra, que resolveu me acompanhar nessa jornada literária”, ela diria, arrancando risadas e aplausos da plateia.

Mas a verdade é que, mesmo entre uma contração dolorida e outra, Clarice sabia que não era qualquer pedra que a faria desistir. Com a dose certa de analgésicos e o apoio de uma boa dose de humor, no dia seguinte, lá estava ela, recebendo o prêmio com um sorriso meio torto, é verdade, mas um sorriso de vitória.

Afinal, a vida pode até colocar pedras no nosso caminho, mas cabe a nós decidir como vamos lidar com elas. Clarice optou por usá-la como inspiração. E quem sabe, na próxima coletânea de contos, não apareça uma história sobre uma escritora que, prestes a ser premiada, descobriu que no meio de seu caminho literário tinha uma pedra, e que essa pedra se transformou em um de seus maiores sucessos?

“Não tem problema, Drummond”, pensou Clarice, enquanto deixava o palco. “Eu também vou fazer da minha pedra um poema”.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

São as águas de março


 

                                                                                 

Procuro todo ano um novo local para passar minhas curtas férias de cerca de oito dias. Quase sempre, a escolha recai sobre as cidades praianas do Brasil. Não que eu goste de praia, mas meu parceiro gosta. Acabo cedendo, o que é bem típico. Mas essa é outra história.

O fato é que sempre me deslumbro com o quanto somos privilegiados pela natureza que nos presenteia com belas paisagens. Seja pelo mar azul ou esverdeado com suas praias de areia fina e branca, ou pelas verdejantes matas, muitas vezes com falésias coloridas separando os dois cenários.

Ao mesmo tempo, percebo o quanto somos gananciosos e imaturos na destruição de toda essa beleza, que é o motivo das nossas tão sonhadas férias. No ano passado, estive em João Pessoa. Que povo hospitaleiro! Que delícia de praias com suas águas quentes! Mas que descuido com o patrimônio histórico! As construções que contam a nossa história se deterioram diante da indiferença da população e dos governantes. Alguns poucos se manifestam e encontram ouvidos moucos. Devo ressaltar que o calçadão da praia, assim como as ruas percorridas, eram limpos, mas falta zelo pela preservação da nossa história. O Hotel Globo, muito bem localizado e com possibilidades infindáveis de exploração turística, teve todo o seu mobiliário esquecido e surrupiado; hoje, o tempo o dilapida, enquanto as agências turísticas nos leva para vê-lo. O mesmo ocorre com o antigo Colégio Nossa Senhora das Neves e muitos outros.

Encontrei, por acaso, um grupo de políticos e empresários em um dos restaurantes da orla. Pedi licença e expressei minhas opiniões, crivando-os de perguntas não respondidas. Mas quem sou eu? Apenas mais uma turista. Atrás de mim, virão outros e mais outros...

O mesmo se deu este ano. Dessa vez, em Ilhéus. Vendem a imagem e frases soltas de Jorge Amado. Excluindo o Bataclã e o Vesúvio, o restante descasca e se dissolve no calor e no tempo. A estátua de Jorge Amado em dourado, à porta daquilo que chamam de Casa de Jorge Amado e que tem como recepcionistas meninas descuidadas e que jamais abriram um livro do autor, clama por cuidado e respeito ao seu legado e à terra que ele imortalizou em seus romances.

Como escritora, levei livros para doar para a Biblioteca Municipal Adonias Filho, que, diga-se de passagem, é um prédio de arquitetura neoclássica belíssimo. Dei de cara com um prédio moribundo. Não se deram nem ao trabalho de atualizar o site, informando que a biblioteca está fechada há mais de dois anos.

As praias são convidativas, bem ao meu gosto: longa faixa de areia com ondas leves, ideais para crianças e famílias se divertirem. Mas a sujeira que impera nas barracas nos afasta das suas cozinhas, e o atendimento parece nos comunicar: "Não precisamos de vocês, turistas!"

No próximo ano, pretendemos ir a Guarajuba, Bahia.  Será uma viagem de reunião de família. Se a praia não for boa, teremos a mesa de buraco garantida, as piadas soltas e o aconchego do seio familiar. Portanto, sem grandes expectativas.

E as águas de março? Pois é: estamos no final de maio e as chuvas castigaram impiedosamente o Rio Grande do Sul. Qual a relação? Vocês se perguntam. A resposta é simples: mais uma vez nos deparamos com a ambição humana versus Natureza.


                São as águas de março?

Não são as águas de março que trazem a destruição,

mas a desonesta e degradada falta de ação.

Não são as águas de março fechando o verão,

são as promessas não cumpridas que calam no nosso coração.

   É a corrupção arrastando vidas e dignidade pelo chão.                                      

                                                                            Trecho do poema  escrito em   30/05/2024.

Foto Acervo pessoal