quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Vento que venta...


Chove lá fora... Galhos e folhas outonais dançam, ao sabor dos ventos, e se espalham pelos espaços abertos. As árvores fazem coreografias furiosas e perdem partes de si... E o vento continua a rugir...
Cumpro minha tarefa diária e me sinto convidada a aninhar no sofá e navegar nas ondas do " face" ...
Os primeiros minutos são preenchidos com mensagens positivistas de um bom dia. E aí me lembro do amigo que disse estar cansado das Pollyannas que pululam nas redes sociais. 
Aqui e ali outras se fotografam em pose de topmodels, outras nem tanto, para apenas dar um boa noite... A expectativa destas fotos são claras... " quero ser curtida, ser comentada". 
Me sinto constrangida! Lembro com carinho destas amigas e não consigo associá-las com estas fotos...
Prossigo na navegação, mais por um sentimento gostoso de ociosidade do que por uma motivação real...
Agora os pingos de chuva já escorrem pela janela e a grande árvore em frente a nossa janela, nos ameaça, a todo momento, com seus movimentos impetuosos.
Me aninho um pouco mais e vou discorrendo os dedos pela tela... Os muros da privacidade ruíram, desabaram... 
Tomo conhecimento do fim do relacionamento de uma amiga, da morte de um parente próximo de outra e, com prazer, descubro que aquele outro, finalmente está realizando o sonho da viagem fantástica! 
Porém, para meu desprazer, duas pessoas diferentes compartilharam um vídeo, onde uma criança, digo bebê ainda de fraldas, dança um hit popular, fazendo requebros e poses sensuais. Parece ser uma reunião familiar. E a criança, incentivada pelos gritos e aplausos, continua com aqueles movimentos, eu diria, grotescos! Entretanto, minha surpresa é ainda maior, quando percebo o número,  cerca de duas mil pessoas, que já curtiram o vídeo e outras milhares que o compartilharam. E o que dizer sobre os comentários postados! Nenhuma indignação! Apenas incentivos, escarnecimentos... Meus sentimentos são solitários! Olho o vento lá fora e sinto a indignação crescer dentro de mim... 
Não estou mais interessada nos "facebookianos". 
A família desta criança, talvez pela pouca educação, não percebe o absurdo da situação, mas os meus amigos que me perdoem, esperava outra reação deles!
Este tipo de vídeo expõe a criança a pedófilos e outros tantos tipos de caráter duvidoso, cria uma situação de constrangimento futuro e, além de tudo, reforça um comportamento extremamente negativo para uma criança em formação.
Me vem a mente   o texto do Marcelo Penteado, onde ele escreve: " Ou não percebi que a vida trocou suas roupas ou eu ando meio offlline demais.
Meus valores entraram em coma e os tempos se desenham confusos. Costumava acreditar que compartilhar significava doar...".
As redes sociais têm acentuado a necessidade narcisista que temos de nos mostrarmos ou mostrar algo, que nos permita nos vermos refletidos nas águas dos tantos rios e lagos da  vida social... Perdemos o controle das regras de convívio social, pelo simples fato de não termos as pessoas ao nosso redor. Sozinhos fazemos fotos, que não teríamos coragem de fazer se estivéssemos em público. Mas postamos... E esperamos ansiosos as "curtidas e compartilhamentos" ... Esparramamos nossos desapontamentos, frustrações, alegrias e, até, declarações de amor nas redes, mas somos incapazes, muitas vezes, de olhar nos olhos dos nossos amigos, filhos e companheiros e expressar estas verdades... 
Devo confessar que fui seduzida pelas novas tecnologias, redes sociais e  outras tantas invencionices atuais. Embora nem saiba como muitas delas funcionam... Mas, também, tenho procurado me policiar quanto ao uso delas. 
Acredito no valor das invenções, mas acredito ainda mais, nos valores sociais... Nas relações humanas que nascem e crescem nos encontros, onde exercitamos a convivência baseada no respeito, na solidariedade, na responsabilidade e no amor para com o próximo.
Sendo assim, dos males o menor, que fiquem  as Pollyannas do Facebook  e, talvez , quando nos cansarmos deste mundo virtual,  desta felicidade fugaz que precisa ser provada com vários cliques, encontremos tempo para dar um telefonema para aquele amigo que há muito não vemos ou, quem sabe até, fazer uma visita. Ao invés de convidá-lo para jogar Candy Crush Saga, convidá-lo para um cinema,  para um café ou até mesmo um joguinho de cartas, mas que seja um sentado em frente ao outro...
Aqui, a ventania tomou novos rumos... e eu também.

  Foto: Google.                                    


domingo, 20 de outubro de 2013

FolhasOutono e o seu Telhado



Esta é a visão dos telhados que tenho da janela da minha sala. O meu telhado é reto, é sólido, é claro, é iluminado pela luz diurna que adentra  pelas grandes janelas, tão comuns na Holanda. Ele me dá estabilidade, calma e a certeza de que as linhas horizontais também tem a sua beleza... Reflete o meu momento!
Nossos telhados nem sempre são nossos de verdade... Mas enquanto estamos debaixo deles por um determinado tempo, nos apropriamos deles. Estes, as vezes, são claros, escuros, coloridos, altos, baixos, de madeira, de laje, telhas das mais variadas; são a nossa cobertura! Será que os escolhemos ou fomos escolhidos por eles?! Você gosta do seu telhado ou também precisa muda- lo como no poema  "Telha de Vidro" da Rachel de Queiróz? _ Mencionado no post anterior: Está faltando luz em sua vida?
Minha proposta para estas duas semanas é que você envie fotos dos telhados da sua cidade ou de outras que você gostou ou gostaria de conhecer. Com cerca de 4 linhas, explique a razão da sua foto.
Vamos deixar que as Folhas de Outono enfeitem seus telhados. Vamos publica-las aqui.
Estou aguardando...
folhasoutono5@gmail.com

domingo, 13 de outubro de 2013

Está faltando luz em sua vida?



Lembro- me do nosso barraquinho de apenas um cômodo, onde a porta ainda não havia sido fixada, portanto era apenas encostada no vão do portal. O telhado demorou a ficar pronto... Faltava dinheiro para as telhas! A única parte coberta era onde ficava a cama. Aliás, uma única cama. Do lado oposto, o pequeno fogareiro e um caixote de ripa com latinhas de marmelada, que nos servia de pratos, uma latinha de massa de tomate, que acomodava os talheres e duas pequenas panelas. Era 1961, tínhamos chegado há pouco de Minas Gerais para Brasília. Assim como tantos outros...
Mas o que me encantava eram as estrelas... Sim, as estrelas! Eu as via da cama. Deitada eu colhia as estrelas e caminhava com a lua no seu andar vagaroso... Até que o sono me levava para lugares distantes.
Muitas vezes acordávamos com o rosto molhado pelo sereno, mas eu, na inocência dos meus quatro anos, achava tudo meio mágico.
Não sei definir se daí nasceu este gosto peculiar pelos telhados...
Sei apenas que gosto de ver as inclinações, os recortes, as linhas retas, às vezes, curvas e as cores dos telhados, que compõe a arquitetura de uma construção. 
Nas minhas andanças, venho colecionando memórias de belos telhados.  Como os telhados de Paris, que já inspiraram filmes, músicas, pinturas e infinitas fotografias. As cores cinzas azuladas ou o marron avermelhado, com suas linhas horizontais, perpendiculares, côncavas, parecem dançar aos nossos olhos. Há até curiosos telhados que abrigam apiários, como no Grand Palais. 
E como descrever a sensação de beleza que nos invade, quando a luz solar ilumina   os telhados avermelhados de Praga?  
Londres, que frequentemente está envolta nas míticas brumas de Avalon, apresenta seus telhados escuros, centenários e, também, pitorescos. Como os chamados roof- tops (telhados-top) . São telhados que foram transformados em points de encontro, como bares chiquérrimos ou jardins de nos deixar boquiabertos, como o Jardim Suspenso de Sir Richard Branson, o Radio Rooftop Bar ou o Coq d'Argent. 
Os telhados de monumentos da idade Média, do Renascimento e das épocas clássicas e barroca de Salamanca, nos enfeitiça, nos envolve de maneira mágica. Acho até, que é possível, imaginar Dom Quixote saltitando, em seu cavalo, por aqueles telhados...
Mas, agora estou aqui, em Zaandam.  De volta e meia, pegando o trem, vou zanzando pelas pequenas cidades Holandesas. Meus olhos sempre se voltam para o céu, buscando os telhados das casinhas estreitas, com desenhos, brasões ou datas incrustados nos seus tijolinhos. Entretanto, não consigo ver seus telhados... Estes ficam escondidos atrás das altas fachadas tão interessantes quanto os seus nomes. Trapgevel, klokgevel, Tuitgevels, Zadelgevel, Halsgevel, ou seja: Fachada escada, fachada relógio, fachada bica, fachada sela, fachada pescoço...
Sei que ainda há muitos telhados para eu conhecer, mas enquanto isto não acontece fico  imaginando meu meio telhado de infância, que me permitia ver as estrelas e deixava o sol inundar de luz e calor nosso quartinho-casa. Eu me deleitava em brincar com os raios de sol, que desenhava figuras mil no chão de terra  batida. 
Me vem a memória a história de Rachel de Queiroz que foi morar com os tios e, estes, a acomodaram em um quartinho escuro do sótão... Mas ela deu um jeitinho... Comprou uma telha de vidro,  e aí.. "...Que linda camarinha! Era tão feia!
_Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão...
cinzenta,
fria, 
sem um luar, sem um clarão...
Por que você não experimenta?
A moça foi tão bem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!"
...Atrevidamente, acrescentei estas reticências, espero que a Rachel não se revire em seu túmulo...
Foto: Lúcia Boonstra



terça-feira, 1 de outubro de 2013

ComUnidade, vou seguindo ...

                                                                   
Aos domingos, pela manhã, sempre vou a igreja e assisto a missa. Embora compreenda uma palavra aqui e outra lá, sinto-me confortável ali. O prédio de tijolinhos aparente, de linhas retas e que foge dos padrões das igrejas europeias, tem o pé direito alto, vitrais, do artista holândes Marius de Leeuw, que convidam os raios do sol a aquecer suas cores suaves. Ele está embrenhado entre os plátanos e ciprestes, que encontram com as  águas límpidas  do lago que é abastecido pelo canal vizinho. Uma  verdadeira joia escondida!
Os sons guturais  da língua, que ressoam nos quatro cantos, as vozes celestiais do coral, acompanhadas pelas notas musicais do velho piano, os silêncios intercalados ... Tudo isto me conforta! 
O fato de não compreender a língua, me deixa livre para ficar comigo, para cismar meus pensamentos, meus sentimentos, minhas gratidões, minhas aflições.
Aproveito esta liberdade para especular, também, a decoração " clean", que aqui e ali é agraciada com as imagens  santas. A iluminação  moderna, simples e eficiente no teto branco reto, cumplicia com os vitrais, que ocupam os dois cantos dos fundos da igreja,  projetando as imagens vanguardistas dos santos.
O conjunto "per si" identifica esta comunidade. Uma comunidade comprometida com os ensinamentos bíblicos e não com as regras ou  as exceções da Santa Madre Igreja. Ali, mais uma vez, me sinto confortável.
Eles me acolheram e, com eles, venho aprendendo a enfrentar meus medos, minhas indecisões e  as intempérias de um recomeçar em uma nova terra.
Conhecer os rituais me faz sentir em casa. É uma gota de orvalho diante das chamas dos estranhamentos. Neste espaço, aprendo e exercito a minha ligação com o Universo, com a Energia, com Deus. Todos nós necessitamos de um lugar, de um tempo para organizar nossas energias, realinhar a nossa essência divina e estreitar nossos laços com o Criador.
Talvez, para meus amigos agnósticos seja incompreensível. Porém, aos domingos, naquele espaço, embalada pelos cânticos sagrados, praticando e exercitando nossos rituais, sinto que criamos uma conexão com o Começo  e o Fim, somos verdadeiros imãs, atraindo luzes e energia puras. Isto me conforta!
Esta comunidade, toda ela quase octagenária e que vem se diluindo; com sua postura de nobreza, dignidade e reverência, persiste nas suas reuniões. E com  ações singelas e significativas luta para que suas crenças, seus rituais, suas preces e suas amizades permaneçam. E com um pouco de sorte, multipliquem... 
Me uni a eles. E, aos domingos, pela manhã, procuro me sentar quase sempre nos últimos bancos,  e, imbuída de um sentimento de devoção, procuro aquietar meu corpo, limpar minha mente, tranquilizar minhas emoções e reverenciando a Deus, me entrego ao  ritual da prece:

" Creio em um mundo para todos;
sem limitações, nem restrições,
sem fracos e sem fortes...
Em um mundo de amor
em um mundo para amar.
Creio em um mundo para todos;
sem chutes, nem agressões
onde ninguém sofre humilhações...
Em um mundo de amor
em um mundo para amar. ..."
                     A Oração  do Credo (Tradução parcial da oração do dia 13/10/2013)
                          é substituída por uma oração que é criada  a cada celebração,
                          permanecendo apenas a frase inicial: Eu creio..

Foto:  Lúcia  Boonstra Firmino