domingo, 13 de outubro de 2013

Está faltando luz em sua vida?



Lembro- me do nosso barraquinho de apenas um cômodo, onde a porta ainda não havia sido fixada, portanto era apenas encostada no vão do portal. O telhado demorou a ficar pronto... Faltava dinheiro para as telhas! A única parte coberta era onde ficava a cama. Aliás, uma única cama. Do lado oposto, o pequeno fogareiro e um caixote de ripa com latinhas de marmelada, que nos servia de pratos, uma latinha de massa de tomate, que acomodava os talheres e duas pequenas panelas. Era 1961, tínhamos chegado há pouco de Minas Gerais para Brasília. Assim como tantos outros...
Mas o que me encantava eram as estrelas... Sim, as estrelas! Eu as via da cama. Deitada eu colhia as estrelas e caminhava com a lua no seu andar vagaroso... Até que o sono me levava para lugares distantes.
Muitas vezes acordávamos com o rosto molhado pelo sereno, mas eu, na inocência dos meus quatro anos, achava tudo meio mágico.
Não sei definir se daí nasceu este gosto peculiar pelos telhados...
Sei apenas que gosto de ver as inclinações, os recortes, as linhas retas, às vezes, curvas e as cores dos telhados, que compõe a arquitetura de uma construção. 
Nas minhas andanças, venho colecionando memórias de belos telhados.  Como os telhados de Paris, que já inspiraram filmes, músicas, pinturas e infinitas fotografias. As cores cinzas azuladas ou o marron avermelhado, com suas linhas horizontais, perpendiculares, côncavas, parecem dançar aos nossos olhos. Há até curiosos telhados que abrigam apiários, como no Grand Palais. 
E como descrever a sensação de beleza que nos invade, quando a luz solar ilumina   os telhados avermelhados de Praga?  
Londres, que frequentemente está envolta nas míticas brumas de Avalon, apresenta seus telhados escuros, centenários e, também, pitorescos. Como os chamados roof- tops (telhados-top) . São telhados que foram transformados em points de encontro, como bares chiquérrimos ou jardins de nos deixar boquiabertos, como o Jardim Suspenso de Sir Richard Branson, o Radio Rooftop Bar ou o Coq d'Argent. 
Os telhados de monumentos da idade Média, do Renascimento e das épocas clássicas e barroca de Salamanca, nos enfeitiça, nos envolve de maneira mágica. Acho até, que é possível, imaginar Dom Quixote saltitando, em seu cavalo, por aqueles telhados...
Mas, agora estou aqui, em Zaandam.  De volta e meia, pegando o trem, vou zanzando pelas pequenas cidades Holandesas. Meus olhos sempre se voltam para o céu, buscando os telhados das casinhas estreitas, com desenhos, brasões ou datas incrustados nos seus tijolinhos. Entretanto, não consigo ver seus telhados... Estes ficam escondidos atrás das altas fachadas tão interessantes quanto os seus nomes. Trapgevel, klokgevel, Tuitgevels, Zadelgevel, Halsgevel, ou seja: Fachada escada, fachada relógio, fachada bica, fachada sela, fachada pescoço...
Sei que ainda há muitos telhados para eu conhecer, mas enquanto isto não acontece fico  imaginando meu meio telhado de infância, que me permitia ver as estrelas e deixava o sol inundar de luz e calor nosso quartinho-casa. Eu me deleitava em brincar com os raios de sol, que desenhava figuras mil no chão de terra  batida. 
Me vem a memória a história de Rachel de Queiroz que foi morar com os tios e, estes, a acomodaram em um quartinho escuro do sótão... Mas ela deu um jeitinho... Comprou uma telha de vidro,  e aí.. "...Que linda camarinha! Era tão feia!
_Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão...
cinzenta,
fria, 
sem um luar, sem um clarão...
Por que você não experimenta?
A moça foi tão bem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!"
...Atrevidamente, acrescentei estas reticências, espero que a Rachel não se revire em seu túmulo...
Foto: Lúcia Boonstra



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