domingo, 9 de julho de 2023

Erratas são necessárias.



Relendo alguns posts antigos, aqui publicados, deparei-me com este:

Lya Luft, na Revista Veja de 24/29 de fevereiro de 2012, publicou Erratas na Vida. Como sempre um texto limpo, belo e verdadeiro. Gosto do que ela escreve. É sempre surpreendente e tão simples. Se algum dia tivesse a pretensão de ser escritora, gostaria de tê-la como fada madrinha. E, enquanto esta habilidade não se apropria de mim, vou seguindo a Lya, a Cecília, o Mário e tantos outros que nos conquistam através de sua Literatura colorida de vida.

O texto prosegue e, devo admitir que ele continua atual, continua a expressar meus sentimentos e minha falha em registrar fotograficamente os doces e interessantes momentos compartilhados em  minha vida. Mas o que me chamou a atenção foi esta frase do parágrafo inicialSe algum dia tivesse a pretensão de ser escritora, gostaria de tê-la como fada madrinha. Aqui, eu parei como um bêbado que tem a certeza, de que se der mais um passo vai cair.  Como pude ser tão cínica?! Ou foi cegueira? Ainda me custa encontrar uma explicação plausível para tamanha mentira. Como eu poderia iniciar um blog, escrevendo crônicas e afirmar que não tinha a pretensão de ser escritora?! 

É evidente que sempre camuflei este desejo. Escrevo desde a adolescência. Aqui e ali, mostrava para alguém muito próximo. E por que o desejo camuflado? O bêbado se equilibra como um dos velhos bonecos que chamávamos de João Bobo e procura encontrar a resposta. E, de muito distante, me vem a citação lida em um dos livros  de Allan Kardec: Já o dissemos muitas vezes; o egoísmo. Dele deriva todo o mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos existe o egoísmo. Na caminhada das reflexões, eu poderia dizer que era por timidez ou insegurança; sabendo que ambas estavam no mesmo saco. O bêbado, mesmo titubeando, decide dar os primeiros passos. Por quê insegurança? Medo de não escrever bem o suficiente? O suficiente para quem? Vamos lá, mesmo mal se equilibrando você consegue... Medo das críticas... Neste ponto, o bêbado pára e busca no fundo da sua mente uma definicção para  o egoímo. E acha: Egoísmo é um exclusivismo que faz o indivíduo se referir tudo a si próprio. É um orgulho, uma presunção.

O meu perfeccionismo, derivado do meu egocentrismo, acreditava que os outros poderiam errar, mas eu não! Bendita presunção! Estúpido orgulho!  O bêbado só se atrevia a percorrer as ruas extremamente conhecidas, evitava os tombos... privando-se assim, de ver e descobrir novas belezas, encontrar novos amigos, de aprender a cair e levantar e, quem sabe, gostar das descobertas da nova caminhada. A fantasia de ser excelente em todos os aspectos... Esquecendo que somos humanos, seres ainda em construção e, que esta construção, só acontece na caminhada. E que durante esta caminhada, os tombos, as falhas são inevitáveis... Hoje, depois de publicar meu primeiro livro, participar de eventos literários e já estar em vias de publicar o segundo e o terceiro livro, me interrogo: Quantas ou quantos de nós deixamos de seguir as nossas aspirações e enterramos nossos talentos, porque no fundo da nossa alma, albergamos o desejo de sermos o centro do mundo, de sermos o deus perfeito. O quanto de presunção há dentro de nós em relação aos nossos relacionamentos, às nossas escolhas,às nossas atitudes...

No último domingo, apresentei o meu livro de poesias, Soprados das Gavetas, em um café em Amsterdam e, novamente perdi a oportunidade de registrar a presença de alguns amigos; os registros que me chegaram, foram feitos por alguns deles; continuo me esquecendo e sei que meu egoísmo/egocentrismo, muitas vezes serão esquecidos; sei que fazem parte de mim. Porém, me sinto vencedora. Dei um passo e, agora, estou mais atenta à sua atuação. O bêbado dentro de mim ou a criança, está dando cambalhotas de contentamento por ter descoberto uma nova rua.  Quantas outras ainda temos por descobrir? _ Não sei! Mas estou consciente que os tombos são necessários. São pedagógicos.

E você já verificou em que aspecto o seu egoísmo está lhe impedindo de desvendar outros acessos? Erratas são sempre necessárias. Que bom que podemos fazê-las!


sexta-feira, 23 de junho de 2023

Pedido Público de Desculpas

                                                                       Foto cedida por Dinorah Couto Cançado

Ela se faz presente por onde passa. Sua voz rápida, mostra uma urgência em ser ouvida e, se possível, atendida. Sua perseverança na luta para trazer à luz e, também, ampliar os direitos das pessoas cegas é inegável. Como ela mesma se intitula: Sou incansável! Já fundou uma biblioteca braille, uma academia para escritores inclusivos, é escritora e presença assídua em eventos literários ou políticos que possam agregar visibilidade à sua empreitada.

Encontrei-me com ela poucas vezes. Foram encontros fortuítos, mas antes disso, já a conhecia pelas redes sociais e ouvia sobre ela através de conhecidos.  A participação nos encontros literários nos fizeram esbarrar com uma maior frequência; até porque somos da mesma região. E foi num destes encontros, que eu esperava dar voz aos membros representantes das diversas entidades literárias, que eu disse a ela: _Cada um vai poder falar da sua entidade, mas cuidado, procure falar pouco. Você fala demais!_ Naturalmente houve um silêncio constrangedor.

Passado o evento, que afinal, não deu voz, como eu esperava, aos colegas, alguém comentou o episódio comigo. Eu reagi afirmando que, os anos de convivência com a cultura holandesa, me fizeram aprender uma comunicação e uma maneira de ser mais direta. Com certeza é uma verdade, mas tem mais caroço neste angú... Então vamos por parte.

Antes de publicar o meu livro, Soprados das Gavetas, aparecia de vez em quando nas redes sociais; confesso que tenho uma aversão àquelas pessoas que postam tudo que fazem: onde estiveram, com quem estiveram, o que comeram... e por aí vai. Entretanto, agora, sei que preciso estar presente nestas mídias com uma  constância, que considero inquietante, mas este é um dos caminhos  para vender o meu livro. Não sou uma Cecília Meireles! Devo confessar que ainda não me sinto à vontade. Qual a relação disso com o fato da minha "comunicação direta" com a colega? Tenham paciência, vamos chegar lá...

Há cerca de uns dois anos, li o livro Comunicação Não Violenta de Mashal B. Rosenberg. Achei-o interessante e fiz anotações sobre ele. Comentei com amigos próximos e pronto. Normalmente é isto que fazemos: lemos, comentamos e jogamos na gaveta do esquecimento. Ontem, sentada no jardim, depois de ler um livro de uma amiga, zapeando pelo YouTube, agora com mais frequência na mídia, descobri uma playlist sobre a comunicação não violenta. Bebericando a cerveja e deleitando-me com a paisagem, fui ouvindo a palestra da psicóloga Svitlana Samoylenko, que , segundo ela, aplica a andragogia nos seus cursos e atendimentos. 

Aquilo que há muito me incomodava, porque depois do ocorrido ficou sim o incomodo, apesar da justificativa; algo descortinou-se e percebi duas coisas importantes: Primeiro, a minha comunicação não foi direta, foi tóxica. Veio precedida de julgamentos e não de fatos. Projetei na colega, a minha aversão pelas presenças constantes na mídia. Não compreendi, que ela o faz, para dar prosseguimento aos seus projetos de acessibilidade. O seu fazer é dela! Descobri, que antes de conhecê-la, já havia feito meu julgamento negativo. Na minha humanidade imperfeita, não perdi a oportunidade de criticá-la. Que comportamento mesquinho! Reconheço e não me orgulho dele. Ainda bem que tenho o respaldo do Marlon Reikdal para continuar este meu "Vai para Dentro".

Como disse anteriormente, percebi duas coisas: Segundo, li o livro Comunicação Não Violenta, mas minhas reflexões sobre o assunto foram superficiais, não tiveram o propósito de um aprendizado. Como acredito não haver os acasos, o fato de ter me deparado com a playlist citada, é um convite  para rever minha maneira de me comunicar. Os quatro pilares da comunicação não violenta _ observar, sentir, precisar e pedir_ merecem ser destrinchados, examinados, exercitados e aprendidos. Treinando o que ouvi, quero retificar a minha comunicação tóxica dirigida à colega e, acima de tudo, pedir-lhe desculpas publicamente. Se pudesse voltar no tempo corrigiria e falaria desta forma:

__Observo que todas têm o desejo de  falar sobre as suas entidades e sinto o quanto isto é importante; contudo, devido ao tempo, teremos que ser breves nas nossas apresentações. Gostaria, que hoje, você observasse isso. Você pode ser mais concisa? (Você foi capaz de identificar os 4 pilares da comunicação não violenta?)

Neste processo de autoconhecimento, continuo mergulhando nas observções dos meus sentimentos, pensamentos e comportamentos e,  a cada ferramenta, ou acontecimento, que me chega, agradeço. Convido vocês a fazerem esta caminhada, nem sempre bonita; como vocês perceberam. Pelo contrário, descobrir quem realmente somos, pode nos trazer muitos constrangimentos. Embora, só o reconhecimento de quem somos aliado à vontade  é que nos permite a mudança. 

Reitero minhas desculpas à colega!






sábado, 13 de maio de 2023

Soprei e admito: Sou uma fingidora!

 



Finalmente os textos engavetados foram soprados ao vento. Dia 08 de março de 2022! A data em que, mais uma vez, senti o acolhimento da família e dos amigos. Foram ao lançamento do Soprados das Gavetas, não porque sou escritora renomada, mas porque a mãe, a avó, a sogra, a amiga, a colega os convidaram para fazer parte deste sonho: ser escritora!

Meu olhar romântico de mulher, não me desvia da realidade e, quando leio  Conceição Evaristo, Paulina Chiziane e tantas outras, me dou conta: meus poemas são crianças traquinas que necessitam desenvolver. Entretanto, com certa surpresa, descubro artigos que mencionam a poesia como ferramenta terapêutica e, aí sim, não sinto mais constrangimento por continuar escrevendo... Poesia, caminho para o autodescobrimento. Será?! 

Me lembro da querida professora Adélia afirmando que " o escritor é aquele ser visível, que ocupa um lugar na sociedade; o eu lírico é o Outro, é verdadeiro  dono do poema." Imediatamente me vem os versos de Fernando Pessoa, Autopsicografia. O poeta é um fingidor. Porém, não posso me esquecer de Mário de Sá Carneiro que dizia: Eu não sou eu nem sou o outro. Sou qualquer coisa de intermédio...

São infindáveis as digressões que emergem, mas voltemos ao assunto da poesia terapêutica. No blog https://www.boasaude.com.br/ há uma página com o título Hospitais Americanos utilizam a poesia como técnica terapêutica; eles afirmam   que os testes com o "novo tratamento" começaram  no Coler Goldwater Memorial Hospital, em 1984... os resultados positivos no emprego da técnica estão multiplicando o uso da poesia nos últimos dez anos em outros serviços de saúde. Informam, inclusive, que esta prática terapêutica já chegou ao Japão, Nova Zelândia. E, soube há pouco, em Portugal, também.

Unindo as pontas, chego a seguinte conclusão: Sou uma fingidora, acredito sim, na poesia como uma ferramenta terapêutica e como  um caminho para o autodescobrimento. Desconfio que os poetas sabem disto, principalmente os consagrados... Souberam usar a ferramenta! O Eu lírico não seria o Self se expressando? Eu não sou eu, nem sou o outro... mas não me atrevo a tão profunda análise... me permito divagar...

No meu ponto de vista, a escrita, principalmente a intuitiva e livre, deve ser lida com atenção; pode ser que ela  traga revelações íntimas  interessantes de serem conhecidas. Ao ler um poema e sentir-se tocado por ele ou por um dos seus versos, há que se perscrutar esta emoção despertada, questioná-la e observá-la com carinho. Podemos ser surpreendidos com as respostas conseguidas. Fernando Pessoa em um dos seus poesmas confessa: Não sei quantas almas tenho/ A cada momento mudei/ Continuamente me estranho; e termina de forma contundente: Nunca me vi nem me achei. Neste exercício de ler e de escrever poesias, é possível ir descobrindo estas almas que em nós habitam. O grande pulo do gato, é saber que não há um ponto de chegada; a mudança é constante. Durante o processo vamos brincando de escone-esconde. Aqui e ali, temos a sorte de bater o pique: Achei você! Em seguida recomeçamos... Se sou escritora não sei, mas estou na brincadeira, estou na caminhada, buscando me conhecer...

Portanto talvez, e só talvez, eu não alcanse o reconhecimento como uma notável escritora, mas neste momento, minha alma está entregue ao " estou escritora". Do dia 01 ao dia 04 de junho de 2023 com muito prazer, estarei no stand da Rede Sem Fronteiras, na Feira do Livro de Lisboa, onde farei o lançamento do Soprados das Gavetas. Convido vocês a lerem ou escreverem um poema por dia, como gotas medicinais. Poemas são homeopáticos extraídos da alma, é um tratamento completo e suave, que pode aliviar ou curar a doença sem agredir o organismo, sem causar efeitos colaterais. Comece pelos Soprados das Gavetas.

 

quarta-feira, 22 de março de 2023

A viagem




                                                                                       

 Tenho 66 anos vividos. Quantos ainda me restam? Não sei. 
 Sou filha de um casal de mineiros que traziam preconceitos bem arraigados dentro de si. Embora, minha mãe fosse mais aberta, não posso dizer que ela era uma rebelde da sua geração. Seguindo-lhes os passos, também me tornei uma pessoa pacata e conformada com os valores e preconceitos recebidos.
 Lembro-me que nos primeiros anos de escola, as carteiras duplas eram ocupadas por duas meninas ou por dois meninos. E as filas de meninos e meninas eram separadas. Quando um de nós extrapolávamos as regras do professor, éramos levados a ficar de pé de frente para o quadro negro. Depois éramos levados a sentar com o sexo oposto. Para as meninas e, para alguns meninos também, aquilo gerava um constrangimento absurdo. Imagina sentar com um menino! Jamais me arrisquei a passar por tal situação! Por favor, não sorriam... 
 Na década de 70, enquanto todas as adolescentes paravam, aos sábados à tarde, em frente à tv, para assistirem o programa da Jovem Guarda; meu pai desligava a televisão enfatizando que "estes cabeludos não prestavam"... Cabeludos e tatuados eram, com certeza, "maconheiros marginais". Meninas que se vestiam de forma extravagante ou com vestidos curtos eram perdidas... Para os homossexuais, verdadeiros "veados ou sapatas", nem haviam palavras para descrevê-los; restavam-lhes o sorriso de mofa e as piadas ácidas. 
 Sem a energia da coragem, enfiei-me nos livros; mas o estrago já estava feito. 
 Lá pelos 36 anos, aventurei-me na minha primeira viagem ao exterior. E imaginem para onde? Amsterdam! Foi aí que aqueles preconceitos começaram a ruir... Nas ruas, percebia pessoas vestidas das mais variadas formas. Eram multicoloridas. Não só as roupas, mas, também,  os cabelos... não eram artistas; eram donas de casa, eram estudantes. Eram homens de negócios! Ninguém os olhava com estranheza. E vi o primeiro casal de homos, por sinal lindíssimos, darem o primeiro beijo. Um beijo de amor, de afeto, de carinho... Apenas um beijo entre dois seres. E vi o casal de tatuados, com  muitas tatuagens, cuidar dos dois filhos com tanta ternura e cuidado que fiquei ali... Parada, admirando... Eram apenas uma família! Os cabeludos formavam grupos nas bibliotecas, em estudos compenetrados; não tinham aparência de drogados. Eram apenas jovens com sorrisos alegres. Nas ruas, aqui e ali, via um senhor engravatado, com um longo rabo de cavalo, segurando sua pasta executiva. E conheci senhoras que se reuniam para tomar um chá e, uma ou outra, fumava o seu "baseado" tranquilamente, sem perder sua compostura em nenhum momento. 
 Foi uma viagem de desconstrução! Depois dessa viagem, comecei a me questionar mais sobre o que me era enfiado goela abaixo, me questionar sobre o julgamento dos outros. A questionar-me: Quem eu era? Em quê eu realmente acreditava?
 Não culpo meus pais; afinal, eram também produtos da sociedade da época. Acredito na evolução em todos os aspectos e sou grata à mesma. 
 Ainda  me surpreendo, fazendo elocubrações sobre as minhas reações e emoções instintivas. Haverá alguma conexão com o que me foi ensinado ou, até mesmo, apenas ouvido? Quantas críticas veladas escutadas não foram guardadas de forma desapercebida? Será que a minha criança interna soube processá-las de forma sábia?
 Hoje, ouvi uma frase de um jovem, linda, e, ao mesmo tempo, triste e profunda. Disse-me ele: Você ilumina as pessoas, mas não se ilumina! 
 Aproveito o silêncio e a solidão noturna, para adentrar o quarto escuro do meu passado. Com ouvidos atentos e uma lanterna fictícia, vou iluminando aquela escuridão do tempo. Vou divisando palavras de censuras,  olhares de desaprovação e julgamentos dissimulados. Vou me desvendando...
 Me pergunto: Que outros tantos preconceitos terei que desconstruir?! Que luzes terei que usar para me iluminar e descobrir quem sou?
 Sorrio por compreender que ainda sou capaz e que possuo esta abertura de querer ver, de querer  aprender. Perceber que a construção de quem sou eu é um processo infinito. Perceber que a cada encontro, que em cada momento ou situação a vida me presenteia com a oportunidade da descoberta de quem sou eu.


 Foto: Lúcia Boonstra