domingo, 1 de junho de 2014

O Estranho

Novamente deixei o tempo correr e não me sentei para escrever.
Viajar era mais urgente... Mais interessante!
E desta vez fui descobrir um pouco mais das nossas raízes quinhentistas.
Lá fui eu conferir, sem deixar Fernando Pessoa de lado, o "Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal..."
Deixei a casa para subir até o topo do Castelo de São Jorge e me deslumbrar com os casarios de  Lisboa. Fui a Cascais para petiscar uma deliciosa sardinha, na Brasileira tomei o mais puro dos cafés e conheci a deliciosa sopa de Alentejo... Me diverti na Praça do Comércio e no Museu da Cerveja, comi o melhor bolinho de bacalhau da minha vida!
E se você perguntar: " Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena..." . Pessoa sabia do que falava... Portugal deixou saudades...
Em um post anterior (Ele, o ano, muda e você?), propus ler, escrever e viajar mais. Estou certa de estar buscando estes pequenos grandes prazeres. Portanto, antes de viajar, finalizei mais uma leitura: Mil Dias em Veneza, de Marlena de Blasi, jornalista e chef, que segue a linha de Comer, Rezar e Amar.
Uma leitura fácil e interessante com descrições de Veneza, sua gente e seus costumes e, ainda, a narrativa de como conheceu e transcorreu o seu romance com Fernando, o marido da autora.
Durante a leitura, encontrei vários pontos em comum com Marlena, em outros, nem tanto.
A estratégia que ela usa para fazer amizades, em um país desconhecido e sem conhecimento da língua, através da mesa farta que preparava para as pessoas, deixou-me com o desejo de fazer o mesmo e a frustração de não saber cozinhar tão bem...
Não se pode negar que uma mesa cheirosa, farta e saborosa, quando regada com uma boa bebida (de preferência vinho, para mim), não seja um prenúncio de boas amizades.
Pitoresca é a forma como, desde o início, a autora denomina Fernando: "o estranho"!
Há que se concordar, que quando você se casa com um homem, que conheceu há quatro meses, você está literalmente casando com um estranho... Este é o encanto da narrativa.
A autora não o descreve como o príncipe encantado, mas como um um homem comum, que anda pelo quarto com meias que cobrem as canelas finas. Que tem seus momentos explosivos e momentos de insegurança que beiram a infantilidade.
Mesmo assim é o "estranho" que ela ama! 
Acredito que todas nós, nos casamos com estranhos. É certo  que os confundimos com príncipes!
Mas necessitamos de uma certa convivência para irmos descobrindo as nuanças de cada um.
Imagine então, quando a língua, os costumes e os hábitos são mais outras das tantas barreiras neste caminho a percorrer para descortinar o outro.
Aí o "estranho" torna-se um verdadeiro alien... 
Assim, como Marlena, me casei com um estranho. Ou foi com um alien?!
Só agora,  estou convivendo com o meu " estranho alien"  no país dele.
Convivendo com a família dele...
Conhecendo o seu meio...  E tentando aprender a língua dele...
Depois de alguns anos, acreditando que já poderia chamá- lo pelo nome, me vem a surpresa de que, mais do que nunca,  tenho a certeza de ter ao meu lado um "estranho"!
É verdade, que este "estranho" já não me assusta, mas, ainda me surpreende! 
E, para espantar um pouco da solidão, comum a todos que vivem fora do seu país, estou também procurando oferecer a hospitalidade mineira, através da mesa. Resgatando raízes e procurando aprender os temperos e sabores...
Como nada é por acaso, ouço este rock, um tanto pauleira, para o meu gosto, mas que veio a calhar com o momento e com a pessoa ...
Que bicho estranho que é o homem / Passa a vida inteira sem saber quem ele é
Que bicho estranho que é o homem/ Passa a vida inteira sem saber o que ele quer...
Continuo desvendando habilidades, construindo frases e reconhecendo o meu " estranho"; que descobri, estranhei e, mais uma vez, estou desnudando.
Portanto, não tenham medo dos "estranhos"... Busquem o desejo de amá-los e, assim como Marlena e eu, com muita paciência e algumas renúncias é possível construir uma relação duradoura.
Afinal, seguindo com a letra da música, que se chama Bicho Estranho, de  Alexandre Vitali, "... nunca vi na natureza nada nascendo ou morrendo sem uma razão...".

Foto: Lúcia Boonstra.

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