terça-feira, 5 de setembro de 2017

O que eu tenho para dar?




Acordo com o barulhinho tímido  da chuva. 
Ela chegou e espantou o nosso sol de verão tão curto e tão esperado. 
É ela, a chuva, que doravante nos fará companhia. Às vezes fina e constante, outras, quando se associa ao vento uivante, se torna poderosa e assustadora... 
Depois de um verão prazeroso, onde pude descobrir um pouquinho  mais desta velha senhora chamada Europa, sinto o recolhimento da chuva agradável. Deixo de lado o refrescante Aperol Spritz e a cerveja gelada e espumante para o aconchego do meu chá quente no meu espaço.
Este recolhimento me traz lembranças... e percebo o quanto certas pequenas gentilezas nos marcam.
Há cerca de 20 anos aluguei a minha casa para uma mulher e seu filho adolescente. Ela era uma mulher encorpada, bonita, elegante,  com um  sorriso franco. Expressava-se com clareza e inteligência. Devo confessar que fiquei um tanto ressabiada com esta nova inquilina. Ela não se encaixava naquela região de pessoas simples... 
Assim que ela mudou-se, perguntou se poderia trocar as fechaduras das portas por umas mais sofisticadas, naturalmente eu não deveria me preocupar com os custos, uma vez que era o desejo dela; foi o que ela me disse. 
Depois de quase dois anos residindo por lá, sem jamais ter feito uma reclamação sequer, algo incomum nos inquilinos, ela avisou-me que estaria de mudança no próximo mês. 
Havia encontrado um Amor. Iriam morar juntos em Brasília. Ele era advogado. 
Dia aprazado para a entrega das chave, lá fui eu um tanto pesarosa por perder tão boa inquilina. Junto com as chaves, entregou-me um lindo buque de flores!
Era o agradecimento por ter residido em minha casa.
Jamais esqueci este gesto... 
Quando a vi saindo no carro com o Amor achei que ela iria para o lugar merecido.
Jamais tornei a vê-la, mas o gesto dela permanece comigo e, sempre que dela me lembro, rogo a Deus que ela sempre encontre flores pelo seu caminho.
Ela ensinou-me...
Hospedei-me por alguns dias na casa de amigos e, quando isto acontece, procuro oferecer um jantar de despedida e uma pequena lembrança para os anfitriões; mas desta vez eles viajaram antes do esperado. Me vi sem saber como retribuir a gentileza da hospedagem calorosa. Comprei docinhos especiais que foram acondicionados numa bela caixa, combinando com um vaso de orquídea. Deixei-os sobre a mesa e fui em busca de novos rumos...
Esta semana, recebo um telefonema para contar-me que a orquídea floriu mais uma vez e que eles , por mais que buscassem, não conseguiam encontrar os deliciosos docinhos . Afinal, onde eu os havia encomendado?!  
Depois daquela adorável inquilina, aluguei a casa para outras duas pessoas, que cheguei a considerar como amigas. Se não próximas, mas amigas.
Após  quase 15 anos residindo por lá, fui informada, por terceiros, que elas haviam mudado e ao invés de flores recebi uma casa depredada...
Depois de um mês, usufruindo a companhia da amiga que veio passar o verão comigo, descubro que uma das minhas orquídeas morreu...
Talvez seja a chuva constante lá fora...
Talvez seja o saudosismo que me persegue...
Talvez seja a idade que nos torna fora de moda...
Mas, talvez o mais certo é, como minha mãe dizia, "Cada um dá o que tem!"
E você, o que tem para dar?





Foto: Lúcia Boonsrtra

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