domingo, 25 de maio de 2025

Reflexões sobre confiar, oferecer e o vazio das cadeiras


          

Preparei tudo com zelo de quem acredita. Não num milagre, mas no encontro.

Organizei um workshop com o coração exposto. O tema era daqueles que não cabem em vitrines: a poesia como ferramenta de cura, como espelho do autoconhecimento, como semente de transformação. Não vendia fórmulas nem prometia salvação. Só oferecia o que sei fazer com inteireza — palavras vivas, experiência real, escuta verdadeira.

A proposta havia sido bem recebida em outras terras — Holanda, Portugal, Brasil. E aqui, mais uma vez, me disseram: “Que maravilha! Eu vou! Vou chamar mais gente!”
            Confiei. Como quem recebe um sim como abraço.

Mas no dia, chegaram apenas três netas — amorosas, fiéis — e a namorada de uma delas. Só uma no horário. As outras, muitos minutos depois, como quem ainda assim insiste na delicadeza. E o resto? O resto ficou no mundo das promessas vazias.
            Gente que disse vir. Gente que sorriu, acenou, se entusiasmou. Mas não veio.

Cada uma das ausências trouxe seu motivo: Aniversário do amigo, gripe que derrubou, consulta médica que não deu pra remarcar. Encontro inadiável.

Aceitei.

Sim, aceitei. Porque são justificativas plausíveis, humanas. Aceitar não elimina o vazio. Não preenche o espaço das cadeiras vazias nem o silêncio onde esperava vozes. Aceitar não é o mesmo que não sentir.

Onde foi que falhei? Essa pergunta me atravessou.Teria sido ingenuidade minha confiar nas palavras? Faltou divulgação mais agressiva? Um banner chamativo? Um sorteio? Ou — como me disseram — foi o fato de ser gratuito?

Vivemos tempos estranhos. O que é oferecido sem custo parece não ter valor. Gratuito, dizem, é sinônimo de descartável. Como se preço definisse profundidade. Como se o afeto e o conhecimento precisassem de etiqueta com cifrão para merecer respeito.

Há um abismo entre o gratuito e o sem valor. Oferecer algo sem cobrar é, às vezes, um ato de generosidade, outras vezes, é resistência. É acreditar que certas partilhas não se compram, se acolhem. É confiar na reciprocidade do outro. E é aí que doeu mais: na confiança quebrada. Não foram só cadeiras vazias. Foi o eco de tantas palavras que pareceram verdade e se desmancharam no ar. A decepção não é pela ausência em si — ela também ensina. É pela quebra de algo mais íntimo: a fé nas intenções alheias.

Não desisto. Porque ainda acredito. Quero acreditar nas palavras, nas pessoas, nos encontros.

Este texto não é um desabafo. É um convite. A quem lê, pergunto: Quantas vezes você acenou com um “vou” sem ter intenção de ir? Quantas vezes deixou de comparecer a algo gratuito porque “não custa nada mesmo”? Quantas vezes esqueceu que, do outro lado, há alguém esperando — não só sua presença, mas sua escuta, seu compromisso, sua troca?

Quem sabe, da próxima vez, você honre esse convite. Sobretudo se for gratuito. Porque, às vezes, o que é oferecido de graça é o que tem mais valor: a presença, a palavra, o gesto. 

A coragem de estar!


quinta-feira, 22 de maio de 2025

Entre palavras e vitrines

 

                                                                                             Captura no Freepik

Passeava pela rua sem um destino definido quando fui atraída por uma pequena livraria. A decoração aconchegante, a disposição dos livros, o cheiro, tudo era um convite para entrar e percorrer o espaço. Havia algo quase ritualístico naquele momento: atravessar a porta, sentir a madeira ranger sob os pés, passar os dedos pelas lombadas dos livros como quem busca uma conversa silenciosa.

Sou escritora — iniciante, é verdade — mas já experimentei a alegria de ver meu trabalho lido com atenção por quem entende de literatura. Recebi palavras generosas de estudiosos, aquelas que aquecem e encorajam. Escrever me dá um prazer difícil de traduzir: é um lugar onde o tempo se dobra, onde posso ser e dizer, sem pressa, sem exigência externa. Mas ao entrar naquela livraria, entre vitrines decoradas e mesas com "os mais vendidos", algo em mim pesou.

Observo o mercado. Muitas editoras parecem se mover apenas pelo que promete retorno imediato. E, com isso, abre-se espaço para toda sorte de textos — alguns envolventes, outros apressados, produtos de fórmulas e tendências, embalados com esmero. A literatura, essa arte feita de escuta, respiro e lapidação, muitas vezes fica à margem.

Para nós, escritores, percebo um constrangimento que nos acompanha quando chega a hora de vender o que escrevemos. A escrita, para muitos, é um chamado íntimo, quase secreto. Publicar já é um ato de coragem. Vender, então, exige um desdobramento emocional que nem todos estão preparados para encarar. Como se, de repente, o gesto íntimo da criação tivesse que vestir roupas de vendedor, sorrir para a câmera, disputar espaço nas redes e nos algoritmos. Não gosto disso. Não sei se quero aprender.

Não se trata de ressentimento, mas de um estranhamento. A escrita me exige presença, mergulho, entrega. Já a exposição nas vitrines do marketing parece pedir o oposto: performance, velocidade, impacto. O que falta em elaboração sobra, muitas vezes, em estratégia A pseudo literatura — essa que salta aos olhos, mas pouco toca o fundo — ganha corpo nesse cenário. A força das mídias sociais, a arte da autopromoção e os algoritmos bem alimentados impulsionam a visibilidade dessas obras. Assim, vendem. Vendem muito.

Não vejam como crítica, mas um convite à reflexão. Porque o prazer de escrever ainda mora no silêncio, no gesto quase artesanal de dar forma às palavras. E, por mais que o mundo corra, ainda há leitores atentos, livrarias acolhedoras e autores que escrevem não apenas para vender, mas para tocar — de verdade — o outro.

Fico ali, entre prateleiras, com um livro na mão e mil pensamentos na cabeça. Talvez a literatura sempre tenha sido assim: um ofício de fé, resistência e delicadeza. Talvez escrever, hoje, seja também um ato de recusa. De não ceder à pressa, de não transformar a palavra em produto. De seguir, mesmo sem manual de autopromoção, acreditando que alguns livros — mesmo os que não brilham nas vitrines — ainda encontrarão seus leitores.

 

sábado, 26 de abril de 2025

Entre laranjas e palavras: Uma crônica sobre lealdade



Hoje, saí para celebrar. Por todos os lados, bandeirolas, balões, pessoas trajando roupas festivas, estranhas, adereços singulares, tudo laranja. Na Holanda, é o dia em que o país inteiro veste-se assim — a cor que simboliza não apenas a família real, mas também o orgulho e a alegria de um povo que sabe, como poucos, celebrar sua identidade: o Koningsdag, o Dia do Rei. Ruas repletas de música, mercados livres, rostos pintados e sorrisos largos compõem o cenário desta festa que, mais do que uma homenagem, é uma declaração pública de lealdade.

    Lealdade é um fio invisível que tece relações verdadeiras, seja entre súditos e soberano, seja entre sonhadores e sua missão. E é nesse espírito que encontramos a Rede Sem Fronteiras, uma entidade que, assim como os holandeses em sua festa, carrega uma devoção sincera — mas, no caso, à literatura, à cultura e à difusão da língua portuguesa mundo afora.

    Se o Koningsdag é uma celebração da união nacional em torno de uma história e de um símbolo, a Rede Sem Fronteiras é a celebração contínua da identidade cultural brasileira através de livros, eventos e projetos que ultrapassam mares e fronteiras físicas, chegando a 33 países. A lealdade aqui não é a um trono, mas a um propósito maior: o de manter viva a chama da literatura, do encontro de vozes e da construção de pontes entre culturas.

    Tal qual os holandeses que, no Koningsdag, orgulhosamente reafirmam sua conexão com a realeza, os membros da Rede reafirmam diariamente seu compromisso com a arte de contar histórias — histórias que unem, que emocionam, que transformam. A cada feira literária, a cada novo projeto, eles estendem a coroa simbólica da palavra a todos que acreditam que a cultura é, também ela, uma forma de realeza.

    Entre laranjas, livros e sonhos, o Koningsdag e a Rede Sem Fronteiras se encontram: ambos são celebrações daquilo que nos une — seja um país, seja uma língua, seja uma paixão que atravessa oceanos.

   Se o Koningsdag é o dia de vestir-se de laranja para saudar o rei, a Rede Sem Fronteiras veste-se todos os dias de esperança, de perseverança, de uma fidelidade sem fronteiras a um ideal que, como toda verdadeira monarquia de espírito, não impõe: inspirar.

   Neste ano, reafirmando seu compromisso com a difusão cultural, a Rede brilhou na Feira do Livro Infantil de Bolonha, uma das mais prestigiadas vitrines literárias do mundo, levando consigo a força da literatura lusófona e abrindo novas portas para autores brasileiros no cenário internacional. E a jornada continua: escritores, leitores e amantes da cultura são convidados a se juntar à Rede na próxima Feira do Livro de Lisboa, no Pavilhão H39, onde, mais uma vez, a língua portuguesa celebrará sua majestade e sua travessia sem fronteiras.                                  

quarta-feira, 16 de abril de 2025

As palavras e o coelho

   

    
 Sentada no café, apreciava o movimento da rua em frente. O capuccino feito com leite fresco, tinha sabor e cheiro de infância na fazenda. A espuma era saborosa. Levantei os olhos e reparei na cena: uma menina com orelhas de coelho corria atrás de uma mulher distraída, rindo como se o mundo não tivesse peso algum. Era impossível não sorrir. Algo naquela imagem parecia tirado de um livro, ou melhor, de um sonho.                                                                                                  Me lembrei de Alice no País das Maravilhas, quando ela persegue o Coelho Branco e mergulha em um universo onde o tempo, as regras e até as palavras ganham outros significados. Em um dos trechos, o Gato de Cheshire diz: “Palavras significam o que eu quero que elas signifiquem. Nem mais, nem menos.” Sempre achei essa fala provocadora. Palavras são pontes e labirintos ao mesmo tempo. Pensei na Páscoa que se aproxima. Para muitos, é tempo de ovos de chocolate, coelhos e reuniões em família. Para outros, é renovação, passagem, silêncio, ressurreição. O curioso é como cada palavra — “esperança”, “renascimento”, “fé” — tem um sabor diferente na boca de quem a pronuncia. E como as palavras, mesmo as pequenas, carregam mundos inteiros dentro delas. As palavras têm poder. Elas criam, confortam, transformam. Talvez esse seja o verdadeiro milagre da linguagem: nos dar caminhos quando tudo parece fechado.           Assim como Alice atravessou o espelho e encontrou um mundo onde tudo era possível, a Páscoa também nos convida a atravessar. A sair do automático, do cinza dos dias iguais, e redescobrir a beleza do simples: um café bem feito, uma risada de criança, uma história que nos fez pensar diferente.                                                           Entre um gole e outro, decidi escrever — para lembrar a mim mesma que às vezes, tudo o que a gente precisa é seguir o coelho, abraçar o mistério e acreditar que, mesmo em tempos difíceis, a esperança também tem orelhas longas e corre na nossa direção. No próximo domingo, celebramos a Páscoa.          
     Que tal aproveitar essa data para refletir sobre os significados que damos às palavras, às tradições, às pequenas coisas? Que cada um possa encontrar, à sua maneira, um sentido novo para o que já parecia conhecido. E quem sabe, descobrir que a travessia mais importante é a que fazemos por dentro. 

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

A pedra no meio do caminho Literário

 



Quando você não consegue mudar a realidade e você a usa como inspiração. Aconteceu!

Era uma vez uma escritora que vivia em um pequeno apartamento, cercada por pilhas de livros e manuscritos inacabados. Ela se chamava Clarice — não aquela, mas uma Clarice que sonhava em se tornar um grande nome da literatura nacional. E, vejam só, a grande chance finalmente havia chegado! No dia seguinte, ela iria receber o prêmio mais importante da sua carreira em um evento literário que reuniria os maiores nomes do meio. O vestido estava pronto, o discurso ensaiado e a expectativa a mil.

Mas como a vida adora brincar com os nossos sonhos, eis que, na véspera do evento, Clarice começou a sentir uma dorzinha esquisita nas costas. “Deve ser nervosismo”, pensou, tentando afastar a preocupação. Afinal, quem não ficaria com o coração acelerado na véspera de um grande prêmio? 

Só que a dor não quis saber de se acalmar. Pelo contrário, ela foi crescendo, aumentando, até que Clarice se viu retorcida de dor no sofá. A cada pontada, uma frase diferente de seu discurso de agradecimento dançava em sua mente, agora acompanhada de grunhidos e suspiros. No desespero, ela foi ao pronto-socorro, certa de que era o fim de sua grande estreia no mundo literário.

“Você tem uma pedra no rim”, disse o médico, com a calma de quem está acostumado a dar notícias devastadoras. 

Uma pedra. Logo ela, que tanto admirava o poema de Carlos Drummond de Andrade, agora se via diante de sua própria “pedra no meio do caminho”. Mas esta não era uma pedra metafórica, era uma pedra literal, minúscula e impertinente, que parecia querer arruinar o grande dia.

No caminho de Clarice tinha uma pedra. Tinha uma pedra no caminho de Clarice. 

Ela não sabia se ria ou chorava, mas como escritora, sabia que a vida adorava uma ironia. No fundo, aquela pedra não era só um incômodo físico, mas também uma prova viva de que a vida nunca seguia o roteiro que planejamos. Em meio à dor, Clarice se imaginava subindo ao palco, com uma bolsa de água quente escondida sob o vestido, e agradecendo o prêmio com um discurso emocionado que misturava gratidão e morfina.

“Senhoras e senhores, hoje eu não subo ao palco sozinha. Trago comigo uma convidada especial, uma pedra, que resolveu me acompanhar nessa jornada literária”, ela diria, arrancando risadas e aplausos da plateia.

Mas a verdade é que, mesmo entre uma contração dolorida e outra, Clarice sabia que não era qualquer pedra que a faria desistir. Com a dose certa de analgésicos e o apoio de uma boa dose de humor, no dia seguinte, lá estava ela, recebendo o prêmio com um sorriso meio torto, é verdade, mas um sorriso de vitória.

Afinal, a vida pode até colocar pedras no nosso caminho, mas cabe a nós decidir como vamos lidar com elas. Clarice optou por usá-la como inspiração. E quem sabe, na próxima coletânea de contos, não apareça uma história sobre uma escritora que, prestes a ser premiada, descobriu que no meio de seu caminho literário tinha uma pedra, e que essa pedra se transformou em um de seus maiores sucessos?

“Não tem problema, Drummond”, pensou Clarice, enquanto deixava o palco. “Eu também vou fazer da minha pedra um poema”.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

São as águas de março


 

                                                                                 

Procuro todo ano um novo local para passar minhas curtas férias de cerca de oito dias. Quase sempre, a escolha recai sobre as cidades praianas do Brasil. Não que eu goste de praia, mas meu parceiro gosta. Acabo cedendo, o que é bem típico. Mas essa é outra história.

O fato é que sempre me deslumbro com o quanto somos privilegiados pela natureza que nos presenteia com belas paisagens. Seja pelo mar azul ou esverdeado com suas praias de areia fina e branca, ou pelas verdejantes matas, muitas vezes com falésias coloridas separando os dois cenários.

Ao mesmo tempo, percebo o quanto somos gananciosos e imaturos na destruição de toda essa beleza, que é o motivo das nossas tão sonhadas férias. No ano passado, estive em João Pessoa. Que povo hospitaleiro! Que delícia de praias com suas águas quentes! Mas que descuido com o patrimônio histórico! As construções que contam a nossa história se deterioram diante da indiferença da população e dos governantes. Alguns poucos se manifestam e encontram ouvidos moucos. Devo ressaltar que o calçadão da praia, assim como as ruas percorridas, eram limpos, mas falta zelo pela preservação da nossa história. O Hotel Globo, muito bem localizado e com possibilidades infindáveis de exploração turística, teve todo o seu mobiliário esquecido e surrupiado; hoje, o tempo o dilapida, enquanto as agências turísticas nos leva para vê-lo. O mesmo ocorre com o antigo Colégio Nossa Senhora das Neves e muitos outros.

Encontrei, por acaso, um grupo de políticos e empresários em um dos restaurantes da orla. Pedi licença e expressei minhas opiniões, crivando-os de perguntas não respondidas. Mas quem sou eu? Apenas mais uma turista. Atrás de mim, virão outros e mais outros...

O mesmo se deu este ano. Dessa vez, em Ilhéus. Vendem a imagem e frases soltas de Jorge Amado. Excluindo o Bataclã e o Vesúvio, o restante descasca e se dissolve no calor e no tempo. A estátua de Jorge Amado em dourado, à porta daquilo que chamam de Casa de Jorge Amado e que tem como recepcionistas meninas descuidadas e que jamais abriram um livro do autor, clama por cuidado e respeito ao seu legado e à terra que ele imortalizou em seus romances.

Como escritora, levei livros para doar para a Biblioteca Municipal Adonias Filho, que, diga-se de passagem, é um prédio de arquitetura neoclássica belíssimo. Dei de cara com um prédio moribundo. Não se deram nem ao trabalho de atualizar o site, informando que a biblioteca está fechada há mais de dois anos.

As praias são convidativas, bem ao meu gosto: longa faixa de areia com ondas leves, ideais para crianças e famílias se divertirem. Mas a sujeira que impera nas barracas nos afasta das suas cozinhas, e o atendimento parece nos comunicar: "Não precisamos de vocês, turistas!"

No próximo ano, pretendemos ir a Guarajuba, Bahia.  Será uma viagem de reunião de família. Se a praia não for boa, teremos a mesa de buraco garantida, as piadas soltas e o aconchego do seio familiar. Portanto, sem grandes expectativas.

E as águas de março? Pois é: estamos no final de maio e as chuvas castigaram impiedosamente o Rio Grande do Sul. Qual a relação? Vocês se perguntam. A resposta é simples: mais uma vez nos deparamos com a ambição humana versus Natureza.


                São as águas de março?

Não são as águas de março que trazem a destruição,

mas a desonesta e degradada falta de ação.

Não são as águas de março fechando o verão,

são as promessas não cumpridas que calam no nosso coração.

   É a corrupção arrastando vidas e dignidade pelo chão.                                      

                                                                            Trecho do poema  escrito em   30/05/2024.

Foto Acervo pessoal


domingo, 9 de julho de 2023

Erratas são necessárias.



Relendo alguns posts antigos, aqui publicados, deparei-me com este:

Lya Luft, na Revista Veja de 24/29 de fevereiro de 2012, publicou Erratas na Vida. Como sempre um texto limpo, belo e verdadeiro. Gosto do que ela escreve. É sempre surpreendente e tão simples. Se algum dia tivesse a pretensão de ser escritora, gostaria de tê-la como fada madrinha. E, enquanto esta habilidade não se apropria de mim, vou seguindo a Lya, a Cecília, o Mário e tantos outros que nos conquistam através de sua Literatura colorida de vida.

O texto prosegue e, devo admitir que ele continua atual, continua a expressar meus sentimentos e minha falha em registrar fotograficamente os doces e interessantes momentos compartilhados em  minha vida. Mas o que me chamou a atenção foi esta frase do parágrafo inicialSe algum dia tivesse a pretensão de ser escritora, gostaria de tê-la como fada madrinha. Aqui, eu parei como um bêbado que tem a certeza, de que se der mais um passo vai cair.  Como pude ser tão cínica?! Ou foi cegueira? Ainda me custa encontrar uma explicação plausível para tamanha mentira. Como eu poderia iniciar um blog, escrevendo crônicas e afirmar que não tinha a pretensão de ser escritora?! 

É evidente que sempre camuflei este desejo. Escrevo desde a adolescência. Aqui e ali, mostrava para alguém muito próximo. E por que o desejo camuflado? O bêbado se equilibra como um dos velhos bonecos que chamávamos de João Bobo e procura encontrar a resposta. E, de muito distante, me vem a citação lida em um dos livros  de Allan Kardec: Já o dissemos muitas vezes; o egoísmo. Dele deriva todo o mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos existe o egoísmo. Na caminhada das reflexões, eu poderia dizer que era por timidez ou insegurança; sabendo que ambas estavam no mesmo saco. O bêbado, mesmo titubeando, decide dar os primeiros passos. Por quê insegurança? Medo de não escrever bem o suficiente? O suficiente para quem? Vamos lá, mesmo mal se equilibrando você consegue... Medo das críticas... Neste ponto, o bêbado pára e busca no fundo da sua mente uma definicção para  o egoímo. E acha: Egoísmo é um exclusivismo que faz o indivíduo se referir tudo a si próprio. É um orgulho, uma presunção.

O meu perfeccionismo, derivado do meu egocentrismo, acreditava que os outros poderiam errar, mas eu não! Bendita presunção! Estúpido orgulho!  O bêbado só se atrevia a percorrer as ruas extremamente conhecidas, evitava os tombos... privando-se assim, de ver e descobrir novas belezas, encontrar novos amigos, de aprender a cair e levantar e, quem sabe, gostar das descobertas da nova caminhada. A fantasia de ser excelente em todos os aspectos... Esquecendo que somos humanos, seres ainda em construção e, que esta construção, só acontece na caminhada. E que durante esta caminhada, os tombos, as falhas são inevitáveis... Hoje, depois de publicar meu primeiro livro, participar de eventos literários e já estar em vias de publicar o segundo e o terceiro livro, me interrogo: Quantas ou quantos de nós deixamos de seguir as nossas aspirações e enterramos nossos talentos, porque no fundo da nossa alma, albergamos o desejo de sermos o centro do mundo, de sermos o deus perfeito. O quanto de presunção há dentro de nós em relação aos nossos relacionamentos, às nossas escolhas,às nossas atitudes...

No último domingo, apresentei o meu livro de poesias, Soprados das Gavetas, em um café em Amsterdam e, novamente perdi a oportunidade de registrar a presença de alguns amigos; os registros que me chegaram, foram feitos por alguns deles; continuo me esquecendo e sei que meu egoísmo/egocentrismo, muitas vezes serão esquecidos; sei que fazem parte de mim. Porém, me sinto vencedora. Dei um passo e, agora, estou mais atenta à sua atuação. O bêbado dentro de mim ou a criança, está dando cambalhotas de contentamento por ter descoberto uma nova rua.  Quantas outras ainda temos por descobrir? _ Não sei! Mas estou consciente que os tombos são necessários. São pedagógicos.

E você já verificou em que aspecto o seu egoísmo está lhe impedindo de desvendar outros acessos? Erratas são sempre necessárias. Que bom que podemos fazê-las!