quinta-feira, 22 de maio de 2025

Entre palavras e vitrines

 

                                                                                             Captura no Freepik

Passeava pela rua sem um destino definido quando fui atraída por uma pequena livraria. A decoração aconchegante, a disposição dos livros, o cheiro, tudo era um convite para entrar e percorrer o espaço. Havia algo quase ritualístico naquele momento: atravessar a porta, sentir a madeira ranger sob os pés, passar os dedos pelas lombadas dos livros como quem busca uma conversa silenciosa.

Sou escritora — iniciante, é verdade — mas já experimentei a alegria de ver meu trabalho lido com atenção por quem entende de literatura. Recebi palavras generosas de estudiosos, aquelas que aquecem e encorajam. Escrever me dá um prazer difícil de traduzir: é um lugar onde o tempo se dobra, onde posso ser e dizer, sem pressa, sem exigência externa. Mas ao entrar naquela livraria, entre vitrines decoradas e mesas com "os mais vendidos", algo em mim pesou.

Observo o mercado. Muitas editoras parecem se mover apenas pelo que promete retorno imediato. E, com isso, abre-se espaço para toda sorte de textos — alguns envolventes, outros apressados, produtos de fórmulas e tendências, embalados com esmero. A literatura, essa arte feita de escuta, respiro e lapidação, muitas vezes fica à margem.

Para nós, escritores, percebo um constrangimento que nos acompanha quando chega a hora de vender o que escrevemos. A escrita, para muitos, é um chamado íntimo, quase secreto. Publicar já é um ato de coragem. Vender, então, exige um desdobramento emocional que nem todos estão preparados para encarar. Como se, de repente, o gesto íntimo da criação tivesse que vestir roupas de vendedor, sorrir para a câmera, disputar espaço nas redes e nos algoritmos. Não gosto disso. Não sei se quero aprender.

Não se trata de ressentimento, mas de um estranhamento. A escrita me exige presença, mergulho, entrega. Já a exposição nas vitrines do marketing parece pedir o oposto: performance, velocidade, impacto. O que falta em elaboração sobra, muitas vezes, em estratégia A pseudo literatura — essa que salta aos olhos, mas pouco toca o fundo — ganha corpo nesse cenário. A força das mídias sociais, a arte da autopromoção e os algoritmos bem alimentados impulsionam a visibilidade dessas obras. Assim, vendem. Vendem muito.

Não vejam como crítica, mas um convite à reflexão. Porque o prazer de escrever ainda mora no silêncio, no gesto quase artesanal de dar forma às palavras. E, por mais que o mundo corra, ainda há leitores atentos, livrarias acolhedoras e autores que escrevem não apenas para vender, mas para tocar — de verdade — o outro.

Fico ali, entre prateleiras, com um livro na mão e mil pensamentos na cabeça. Talvez a literatura sempre tenha sido assim: um ofício de fé, resistência e delicadeza. Talvez escrever, hoje, seja também um ato de recusa. De não ceder à pressa, de não transformar a palavra em produto. De seguir, mesmo sem manual de autopromoção, acreditando que alguns livros — mesmo os que não brilham nas vitrines — ainda encontrarão seus leitores.

 

2 comentários:

  1. São bem possíveis de verdade as considerações feitas nesse texto. Só quem escreve pelo prazer de lidar com as palavras, buscando a melhor forma de tocar o leitor, buscando lhe passar entretenimento e conhecimento, consegue levar adiante , ainda que, em duro silêncio, a arte de ser escritor, escritora . Aperfeiçoar a escrita, burilar as palavras, sempre; desistir nunca. Literatura é vida.

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  2. Fico feliz que tenha lido e trazido suas considerações. Gratidão!

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